Nas rodas, calotas modernas. Na cabine, um aparelho
de som e uma televisão portátil, além
de enfeites pendurados no pára-brisa. Retrovisores
ajudam a ter uma visão melhor do trânsito. É
a descrição do veículo de Otaviano Tibutino
Cordeiro Filho, 39. Mas ele não dirige um carro possante.
Na verdade, usa suas parcas economias para "turbinar"
seu instrumento de trabalho: tem uma carroça e vive
de catar papel e metal nas ruas para revender.
Os apetrechos que deixam seu "carro"
mais bonito, entretanto, são um chamariz para uma nova
modalidade criminosa na capital paulista: os roubos de carroça.
"Estacionei perto de casa e fui descansar. Ao acordar,
ela não estava lá", conta Cordeiro Filho,
que teve um prejuízo superior a R$ 285 por causa do
furto de seu veículo -junto com a carroça (cujo
valor ele não soma, mas que chega a custar R$ 170 num
serralheiro) foram levados um rádio de R$ 100, uma
TV pequena (R$ 120), dois pneus novos (R$ 35) e R$ 30.
Segundo vítimas, os ladrões
geralmente são viciados em drogas, que revendem os
utensílios da carroça ou trocam por pedras de
crack ou cigarros de maconha.
Com andanças que duram até 15 horas por dia,
Cordeiro Filho conseguiu montar um novo veículo. Sua
nova carroça tem uma cabine pintada de amarelo. Dispõe
ainda de rádio, TV, antenas, lanternas, retrovisores,
dois alto-falantes, um banco para levar as filhas -de um e
dois anos- e até câmbio. A tampa de vidro de
um fogão serve de pára-brisa.
Pernambucano que atua como catador
há quatro anos, ele arrecada mensalmente de R$ 150
a R$ 200. Já trabalhou em padarias e pastelarias. "Se
eu arranjasse outro emprego, largaria a carroça. É
muito cansativo", disse ele, que mora na favela do Moinho,
no Bom Retiro (centro). Em busca de um bom carregamento de
metais, ele já "viajou" até Osasco
(Grande São Paulo). "Fui num dia e voltei no outro.
No caminho de volta, fui vendendo tudo", afirmou.
"Luxo"
Segundo levantamento do Instituto Polis, há cerca de
12 mil catadores de papel na capital.
Para suportar a peregrinação diária
em busca de metais e papelão, Cosmo de Souza, 28, faz
questão de, ao menos, ter um luxo. "Fico o dia
todo ouvindo CDs de rap, senão eu estresso", diz.
Para ter esse prazer, Souza instalou um toca-CDs da marca
Pioneer -cultuada pelos amantes de som em automóveis-
em sua carroça.
Duas caixas de som emitem o rap. "Carrego duas baterias
de carro para poder ouvir o dia inteiro", diz o fã
do rapper NDee Naldinho e dos Racionais MC's.
Há alguns meses, num "descuido", furtaram
a frente removível do toca-CDs. "Já tentaram
roubar a carroça inteira. Agora comprei uma corrente
grossa para prendê-la." E ele adotou um "guardião":
Bethoveen, uma mistura de pastor alemão com rottweiler.
GIBA BERGAMIM
do jornal Agora SP
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