Jovens negros da periferia
paulistana planejam "ocupar" durante um dia, no
começo do ano letivo de 2004, as salas de aulas dos
cursos mais disputados da USP (Universidade de São
Paulo) -como medicina e direito.
A mobilização,
que já está sendo discutida pela Educafro, ONG
que organiza cursos pré-vestibulares para carentes,
será um protesto para reivindicar cotas para afrodescendentes,
num sistema semelhante ao da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
Um dos
lemas que já foi difundido em cartazes espalhados pela
entidade é "Abaixo as cotas de 80% para brancos
na USP".
O movimento
será mais uma ação simbólica de
uma série que começou a ser feita pela Educafro
desde novembro para promover a inclusão racial. Na
noite de anteontem, no último sábado antes do
Natal, a ONG levou mais de cem jovens para uma "ocupação
pacífica" do shopping Paulista.
Divididos
em grupos de 12, eles tentaram entrar em todas as lojas para
saber a quantidade de negros entre os vendedores -em algumas,
como na joalheria H. Stern (cujos funcionários foram
contatados na hora pela Folha, mas não quiseram se
manifestar), foram impedidos por seguranças, sob a
alegação de que desrespeitariam a privacidade
dos clientes.
O grupo
chegou ao shopping às 19h20, depois de ter saído
em passeata da rua Riachuelo, no centro de São Paulo.
Percorreram os quatro pisos do estabelecimento e, apesar de
serem abordados com frequência por seguranças,
não houve nenhum tumulto.
Eles
entregaram panfletos e um certificado de inclusão racial
aos lojistas apontando a proporção de negros
entre os funcionários -que, na maioria dos casos, era
de 0%. A idéia é voltar ao shopping no ano que
vem para verificar se houve mudanças.
Os jovens também fizeram anotações das
reações dos clientes e funcionários para
discutir nas salas de aula da Educafro.
Algumas
foram consideradas "simpáticas", como a de
Evaldo Alves, 29, caixa de um quiosque da rede de comida japonesa
Gendai. Surpreendendo os manifestantes (para quem ele era
branco), Alves se incluiu entre os negros empregados do estabelecimento.
Já
Marcelo Henrique Batista, 31, que afirmou ser professor de
história, mas que portava um rádio e parecia
auxiliar no trabalho dos seguranças, não gostou
muito da mobilização. "A causa é
coerente, mas não dá para entrar esse monte
de gente ao mesmo tempo nas lojas. É época de
Natal, quando os vendedores conseguem ganhar alguma coisa
a mais, e é preciso ter respeito com os clientes."
No final
do evento, às 21h30, eles se concentraram na praça
de alimentação, cantaram músicas sobre
negros e entoaram frases como "burguesia do shopping/
viemos em paz/queremos inclusão/e nada mais".
Passaram ainda nas escadarias que dão acesso aos cinemas
do shopping Paulista para fotografar as imagens de mais de
30 artistas -nenhum deles negro- que estão nas paredes.
Nos últimos
dois meses, esse tipo de mobilização já
havia acontecido nos shoppings Pátio Higienópolis
e Iguatemi e em uma agência do banco Itaú.
ALENCAR IZIDORO
da Folha de S.Paulo
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