Jovens
que apostam em carreira e estudos já vêm com
anticoncepcional na cabeça. Temos aí o Brasil
do amanhã
Professora da Universidadede São Paulo, a ginecologista
Albertina Duarte Takiuti notou, em seu consultório,
o crescente número de adolescentes que usavam a chamada
pílula do dia seguinte para evitar a gravidez.
A amostra era, porém, tendenciosa: suas pacientes particulares
são de famílias de maior poder aquisitivo. Surpreendeu-se,
então, ao pesquisar como esse medicamento, composto
de uma altíssima dose de hormônio (equivalente
a 12 pílulas anticoncepcionais), vem sendo consumido
entre as mais pobres.
Numa pesquisa ainda inédita, foram entrevistadas 120
jovens com vida sexual ativa, todas de baixa renda: 95% delas
conheciam a pílula do dia seguinte e 36% já
a usavam regularmente, número bem superior aos 20%
registrados em estudo semelhante realizado em 2004.
"Estamos no caminho de transformar esse recurso em algo
rotineiro", aposta Albertina Duarte, criadora da Casa
do Adolescente, um dos mais importantes programas médicos
brasileiros, reconhecido mundialmente, de educação
sexual para jovens de 10 a 19 anos.
Sua visão baseia-se no fato de que os governos federal
e estadual decidiram aumentar a distribuição
dessa pílula nas redes de saúde, como último
recurso antes do aborto.
Dependendo do ângulo em que se veja -evitar a gravidez
precoce e, conseqüentemente, o aborto-, é uma
boa notícia. Por outro lado, revela que muitas adolescentes
estão transando sem camisinha, o que é um fato
preocupante.
A imensa maioria dos brasileiros pode até suspeitar,
mas não conhece o tamanho da tragédia da falta
de planejamento familiar -e, daí, a importância
da pílula do dia seguinte. De acordo com os últimos
dados oficiais disponíveis (2004), a cada hora, três
meninas de idades entre 10 e 14 anos se tornam mães.
Se elevarmos essa faixa etária até os 19 anos,
há o registro de uma nova mãe adolescente por
minuto. Repito: minuto. Isso quer dizer que, desde que você
começou a ler esta coluna até agora, pelo menos
uma menina já teve um filho. Vamos traduzir um pouco
mais: são 661.290 mães adolescentes todos os
anos.
Vamos adiante: 44 mil adolescentes são internadas por
ano por causa do aborto. Calcula-se que mais 300 mil jovens
com menos de 19 anos tenham feito aborto, mas não tenham
tido problemas médicos.
Somando-se tudo, gira em torno de 1 milhão o número
de garotas que engravidam anualmente, tornadas mães
precoces ou obrigadas a abortar. Registre-se também
que são 180 mil as mulheres acima de 19 anos internadas
na rede pública por problemas da interrupção
de gravidez. Esse é o Brasil do dia seguinte.
Já sabemos que a gravidez precoce é uma das
principais causas de evasão escolar e, segundo uma
série de estudos científicos, uma das causas
da violência -filhos indesejados, rejeitados, descuidados
são um óbvio estímulo à marginalidade.
O tema do aborto foi lançado (corajosamente, diga-se)
pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
Causou polêmica (falou-se em plebiscito), até
que, aos poucos, foi saindo de cena -e, enfim, foi desautorizado
por Lula.
A pista da pesquisa conduzida pela professora Albertina é
a seguinte: por mais indesejável que seja, a pílula
do dia seguinte está caindo no gosto das adolescentes
e, se disseminada maciçamente pela rede pública,
conectada às escolas, a tragédia da gravidez
precoce e do aborto poderá ser menor.
Fica ainda a tragédia das doenças sexualmente
transmissíveis -e, aí, a pílula do dia
seguinte corre o risco de virar uma ameaça.
"A jovem pode se sentir tentada a não se proteger,
imaginando que se valerá desse recurso final",
afirma a ginecologista com base em entrevistas feitas com
adolescentes.
O que já sabe é que o melhor caminho é
o mais difícil -jovens com auto-estima elevada, apostando
em carreira e estudos, já vêm com anticoncepcional
na cabeça. Temos aí não o Brasil do dia
seguinte, mas o Brasil do amanhã.
PS - Para evitar o "Brasil do dia seguinte", vêm
sendo realizados projetos experimentais que usam os mais diversos
recursos com garotos e garotas. Essas experiências deveriam
ser disseminadas rapidamente em toda a rede pública.
Coloquei no site alguns exemplos.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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