Entre os dias 17 e 28 deste mês,
quatro mil atletas de 143 países estarão em
Atenas para os Jogos Paraolímpicos, disputados por
homens e mulheres com algum tipo de deficiência. Desses
esportistas, nada menos que 98 são brasileiros. O tamanho
dessa equipe é ainda mais impressionante quando comparado
ao das Olimpíadas: ela corresponde a 39,6% da delegação
olímpica, formada por 247 atletas. Essa proporção
é bem superior à observada na população,
em geral, na qual 14,5% das pessoas (24,5 milhões,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE) têm alguma deficiência – o
que inclui quem se diz incapaz de ouvir, enxergar ou andar.
A expressiva participação de brasileiros nas
Paraolimpíadas não é, contudo, reflexo
de uma plena inclusão social das pessoas com necessidades
especiais. Longe disso. Segundo especialistas em inclusão,
ainda é preciso avançar alguns passos até
que os 24,5 milhões de brasileiros nessa condição
desfrutem das mesmas oportunidades dos demais. O caminho para
se chegar lá passa necessariamente pelo aperfeiçoamento
de políticas públicas voltadas para esse segmento.
Essa constatação foi o ponto de partida do
projeto da Agenda Deficiência, idealizado pela Fundação
Banco do Brasil em parceria com a Rede Saci (Solidariedade,
Apoio, Comunicação e Informação).
Lançada em julho passado, a iniciativa busca reunir
empresas, organizações da sociedade civil e
órgãos públicos para debater e encontrar
soluções para a inclusão de pessoas com
deficiência. “A idéia é criar um
fórum permanente para identificar as dificuldades que
afetam essas pessoas e apresentar aos governantes formas de
superá-las”, diz a professora Ana Maria Barbosa,
coordenadora da Agenda Deficiência e gerente da Rede
Saci, criada por professores da Universidade de São
Paulo dedicados à questão.
Os debates, que já acontecem no site da Agenda
Deficiência vão originar um documento com
ações a serem tomadas. “Este projeto é
similar à Agenda 21, sobre a promoção
do desenvolvimento sustentável. Queremos não
só mostrar o que fazer mas também criar um compromisso
dos agentes, como gestores públicos, ONGs e Ministério
Público, para que as mudanças aconteçam”,
afirma Luis Fumio Iwata, diretor de ciência, tecnologia
e cultura da Fundação Banco do Brasil.
Não é a primeira vez que a Fundação
se envolve com esta questão. Há dois anos, ela
criou o programa Diversidade, que busca estimular a inserção
social de segmentos estigmatizados, e no começo decidiu
centrar-se nas pessoas com deficiência. A primeira ação
foi pesquisar o perfil desse grupo. Daí surgiu o estudo
Retratos da deficiência no Brasil, que foi desenvolvido
juntamente com a Fundação Getúlio Vargas
do Rio de Janeiro e, entre outras informações,
traz dados sobre educação (21,6% dessas pessoas
nunca foram à escola, por exemplo) e renda (R$ 529
é a renda média mensal da pessoa com deficiência,
isto é, R$ 100 menos que a média geral). Em
seguida, a Fundação lançou, em parceria
com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
– Andi, o manual Mídia e deficiência, com
orientações para os jornalistas abordarem o
assunto. A formulação da Agenda Deficiência
fecha, portanto, o ciclo de projetos relacionados ao tema.
Inclusão na escola
Segundo Ana Maria Barbosa, que trabalha com inclusão
desde 1989, embora uma avaliação do Banco Mundial
tenha mostrado que o Brasil trata as pessoas com deficiência
melhor que os Estados Unidos, ainda é preciso um grande
esforço do poder público em áreas como
transporte e educação. “As prefeituras
devem investir na melhoria do acesso de cadeira de rodas em
vias públicas, com a construção de rampas
e a exigência de mais ônibus adaptados”,
defende.
Nas escolas, o desafio é tirar do papel a resolução
no 2 do Conselho Nacional de Educação, de 2001,
que estabelece que crianças entre 7 e 14 anos com deficiência
devem ser acolhidas por todas as escolas. “O governo
deve fiscalizar o cumprimento da lei. Afinal, o ensino especial
não é substituto do regular, mas um complemento”,
argumenta a professora Maria Tereza Mantoan, coordenadora
do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade
da Unicamp. A educação especializada seria reservada
a ensinar o sistema braile a cegos e a linguagem de sinais
brasileira (libras) a crianças surdas, por exemplo.
“É preciso que os gestores públicos invistam
na pesquisa e na implantação de inovações
educacionais. Só usamos modelos antigos”, diz
a professora. “A falta de convívio dos professores
com a diferença fez da inclusão um bicho-de-sete-cabeças.”
Jorge Hipólito, diretor da Associação
de Pais e Amigos de Portadores de Necessidades Especiais do
Rio de Janeiro, reclama que o poder público não
dá exemplo de educação inclusiva. “Tenho
um filho hiperativo que está defasado quatro anos nos
estudos e não consegui matriculá-lo numa escola
municipal. Não há interesse em facilitar o acesso.
Dizem que não há vagas para crianças
com deficiência”, diz Hipólito.
Segundo a jornalista Claudia Werneck, presidente da ONG Escola
de Gente, voltada para inclusão de pessoas com deficiência,
outro exemplo de desatenção a esse segmento
é o projeto Primeiro Emprego, do governo federal. “No
papel, ele prevê todos os jovens. Acontece que, na faixa
de idade beneficiada, as pessoas com deficiência não
atingiram a escolaridade requerida. É preciso levar
em conta essa defasagem escolar”, observa Claudia. Ela
ainda menciona que mesmo os Conselhos Tutelares de Direitos
da Criança e do Adolescente não incorporaram
os temas da deficiência. “Sei de casos em que
os conselhos vêem a criança com deficiência
como se estivessem fora de seu campo de atuação”,
conta ela, indignada.
No mercado de trabalho, a lei 8.213/91 estabeleceu que empresas
com 100 funcionários ou mais devem reservar de 2% a
5% das suas vagas de trabalho para pessoas reabilitadas ou
com deficiência. “A política de cotas teve
um papel importante de dar visibilidade à questão,
mas ela tem um lado cruel. Uma empresa com funcionários
com deficiência não é necessariamente
inclusiva. Muitas vezes, a pessoa está lá só
para cumprir a lei e não é treinada, o ambiente
não é adaptado. Isso só reforça
o estigma sobre a deficiência”, avalia Ana Maria,
da Rede Saci.
Há outros motivos para a lei não levar diretamente
à inclusão no mercado de trabalho. “Há
mais vagas abertas do que pessoas com deficiência. Como
as escolas não são adaptadas a todos, é
comum portadores de deficiência não conseguirem
atender às exigências das vagas”, diz o
presidente da Associação para Valorização
e Promoção dos Excepcionais – Avape, Marcos
Antônio Gonçalves, que também é
membro do Conselho Nacional de Assistência Social. Segundo
Gonçalves, para este dia 22 de setembro está
previsto o lançamento da nova Política Nacional
de Assistência Social, que, entre outras medidas, contempla
as pessoas com deficiência com um sistema semelhante
ao Sistema Unificado de Saúde: o Sistema Unificado
de Assistência Social – SUAS. “É
um mundo novo que se abre para essas pessoas”, diz ele,
otimista.
Militantes da inclusão acreditam, contudo, que não
se pode apenas esperar pelo governo. Para Claudia Werneck,
é hora de integrantes do movimento se articularem melhor
para se tornarem melhores interlocutores junto a esse governo.
“Precisamos aprender com movimentos sociais como os
de gênero e o de direitos humanos, que atingiram uma
maior capacidade de mobilização”, diz
Claudia. Uma das propostas da Agenda Deficiência é
contribuir justamente para essa mobilização.
“O papel da Agenda é ser uma proposta que torne
desnecessárias outras propostas para esse público”,
define. “Esperamos que ela estimule uma política
inclusiva tanto no entendimento como na prática.”
As informações são
da Fundação Banco do Brasil.
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