Em meio a ruas mal calçadas
e ladeiras, em uma região conhecida como Grota do Surucucu,
em São Francisco, Niterói, existe um local,
à sombra de algumas árvores, onde a arte impera,
transformando muitas vidas.
Em uma casa simples com um quintal acolhedor, a magia dos
violinos, violoncelos, violas e flautas “tocou”
a alma de adolescentes desta comunidade e despertou o interesse
de vários jovens pelo mundo da música.
O responsável por esta iniciativa é o músico
e professor Márcio Paes Selles, que criou, há
dez anos, a Orquestra de Cordas da Grota do Surucucu.
No início, eram apenas quatro alunos que apostavam
na arte como uma proposta de um futuro melhor; hoje, o projeto
já conta com cerca de 100 jovens. Um grupo que se destaca
pela extrema necessidade de expressão – fato
que, talvez, possa ter gerado o convite para espetáculos
até mesmo fora do país.
Como começou esse trabalho?
Tudo começou por causa da minha mãe que era
professora e fazia um trabalho de reforço escolar com
as crianças da Grota. Assim, comecei a dar aulas para
os alunos da minha mãe.
Quem pode participar do projeto?
A orquestra está aberta para pessoas que realmente
não têm condições financeiras.
Nosso objetivo é proporcionar uma atividade que tire
esses jovens de caminhos que não sejam apropriados.
E todos os jovens devem estar matriculados na escola.
Qual a faixa etária dos jovens que integram a orquestra
e a origem deles?
A maioria dos alunos tem entre 10 e 12 anos e moram aqui
mesmo na Grota. Mas também trabalhamos com jovens das
comunidades do Sapê, Atalaia, Largo da Batalha, Maceió,
enfim, várias regiões menos favorecidas de Niterói.
Diariamente, nos encontramos para os ensaios.
Quem trabalha com você ensinando aos jovens?
Além da minha esposa, Lenora, que também
tem formação em música, tenho uma pequena
equipe de alunos, formados aqui e que hoje dão as aulas.
Quem apóia esta iniciativa?
Atualmente, temos o apoio do BNDES e da Videofilmes, a
produtora de Walter e João Moreira Salles, responsável
por bolsas para 10 alunos da comunidade. A prefeitura de Niterói
também é uma parceira de peso. Sempre nos insere
em seus roteiros culturais, convidando-nos para apresentações,
fornecendo lanche para estes músicos, entre outras
coisas.
Com qual freqüência acontecem apresentações?
Mantemos uma média de três a quatro apresentações
por mês. Geralmente, nas escolas, em salas de concerto,
teatros e igrejas do Rio e Niterói.
A orquestra já se apresentou no exterior. Para
onde foram e como surgiu o convite?
Fomos em 2001 para Portugal. Bem... o convite partiu de
uma pessoa que nos assistiu em um espetáculo em um
congresso. Levamos oito músicos para a Europa.
Qual a base do repertório do grupo?
Nossa base é a música barroca, mas posso
dizer que somos muito ecléticos, fazendo arranjos para
música popular brasileira, Beatles, etc.
Além das aulas de música, o que mais estes
jovens aprendem?
Atualmente, temos um professor de pintura em tela. Já
tivemos alguns resultados, mas confesso que todas as atividades
que não são ligadas à música não
vão para frente. Já tentamos implantar aqui,
mais de uma vez, as aulas de inglês, mas não
conseguimos dar continuidade.
Ah, vale citar o projeto do coral, formado por sete integrantes,
chamado Negros e Vozes. Esses componentes cantam música
africana e encontraram em sua própria iniciativa um
meio de busca de identidade. Isso é muito legal. Partiu
deles.
Posso perceber a ausência de mulheres na orquestra.
O que acontece?
Acredito que as condições de vida aqui nestas
comunidades não permite que as mulheres se dediquem
a qualquer atividade que não sejam as tarefas de casa.
Mas isso não é um preconceito? Por que não
incentivar as meninas a integrarem a orquestra?
Não é uma questão de falta de incentivo,
mas de falta de estrutura para deixar a casa. A cultura aqui
é: a mulher cuidar da casa, das crianças, dos
irmãos, enfim.... Sei que é preconceituoso,
sim, mas é a realidade atual e, claro, deve ser mudada.
Uma das curiosidades da orquestra é a presença
de um luthier, pessoa responsável pela construção
dos instrumentos de cordas. Isso ajudou a motivar os alunos?
Sem dúvida. O luthier Jonas Caldas já deu até
aulas de produção de violinos. No entanto, essa
construção exige um certo dom, habilidade mesmo.
É muito difícil e, muitas vezes, isto desestimula
o aluno. Mas Jonas, que é também professor do
grupo, é quem nos socorre quando temos problemas com
instrumentos.
Quais são as promessas para o projeto da Orquestra
da Grota daqui pra frente?
A música é sempre um desafio. Você
se alimenta disso e vai conquistando aos poucos o aprendizado.
Às vezes, até ficamos deprimidos, com um vazio.
O segredo é estudar sempre e com dedicação.
Além da Orquestra de Cordas da Grota, em que outras
frentes você está envolvido?
Faço parte do grupo de música antiga –
medieval e renascentista – Longa Florata, e também
integro o grupo de Música Antiga da UFF. Além
disso, também coordeno o Projeto Aprendiz – Música
nas Escolas, uma parceria das Secretarias de Educação
e de Cultura, que atinge cerca de duas mil crianças
de nove escolas municipais de Niterói. Acho interessante
citar também a Reciclarte. Bem... este foi o nome dado
a ONG que tivemos que fundar, em 2001, para facilitar nossa
captação de apoios, realizar esta parte burocrática
que envolve patrocínios, participação
em concursos, etc. Também sou professor dos corais
da Escola Nossa, do Colégio
Itapuca e da Casa do Homem de Amanhã.
As informações são do site Fundação
Gol de Letra.
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