"Inclusão para mim é
criar condições reais de educação
e cultura". Esta é a afirmação de
Analu Palma, escritora, atriz e coordenadora das oficinas
do projeto Livro Falado que, em 2000, apresentou um projeto
à Academia Brasileira de Letras para gravar livros
acadêmicos para os deficientes visuais. A resposta foi
positiva e hoje o projeto doa obras para 50 audiotecas em
todo país.
No ano Ibero-Americano da Pessoa com Deficiência,
o Sesc Rio lançou em 1º de setembro o programa
Livro Falado para incentivar o trabalho voluntário
junto aos deficientes visuais. Seis unidades da Grande Rio
e interior (Engenho de Dentro, Tijuca, Nova Friburgo, Niterói,
Três Rios e Nova Iguaçu) serão beneficiadas
pela iniciativa de capacitação do ledor voluntário.
A divulgação começou na semana passada
e o programa já apresenta fila de espera em algumas
unidades. Em Nova Iguaçu e Friburgo têm 20 pessoas
em cada unidade esperando por vaga. Já em Niterói
há um excedente de 40 candidatos. E no Sesc Tijuca,
120 pessoas aguardam uma vaga.
O principal atrativo deste programa é a praticidade
em gravar as obras, o que pode ser feito na casa ou no trabalho
do voluntário. "O nosso primeiro objetivo é
estruturar a ponte entre voluntariado e ONG, a segunda é
difundir esta prática, contribuindo na inclusão
do deficiente visual na vida social através do desenvolvimento
da cultura", afirma Maria José Motta Gouvêa,
coordenadora de Educação do Sesc Rio.
Os deficientes visuais agradecem. Vanessa Rodrigues, 15,
fala que adoraria que aumentasse o número de livros
em fita cassete, assim não precisaria andar com as
pastas pesadas de obras em Braille. Sobre o trabalho dos ledores,
a jovem acha que o voluntário precisa de uma boa entonação
para não perder a concentração. "Não
pode ser exagerada, tem que ser natural e articular bem as
palavras. É legal este projeto, é um trabalho
de conscientização", opina.
Renan Maia da Costa, 17, também é adepto dos
livros falados, porque os considera mais práticos.
"O programa da Analu é muito útil já
que muitas vezes eu não tenho paciência de ler
o livro inteiro. Prefiro o livro falado. É só
escutar", observa o estudante.
Mas para Cíntia Cristina Silvia de Melo, 17 anos,
as gravações de algumas obras são rápidas
demais. Entretanto, ela acha que também não
pode ser muito lentas, porque o deficiente "cai no sono".
"Ainda têm pessoas que lêem de uma forma
monótona porque não pontuam. É tudo falta
de preparo", acredita.
O Programa
O trabalho de capacitação do ledor
consiste em dois dias de oficinas com aulas práticas
e teóricas de quatro horas de duração.
Durante as atividades são abordados pontos como sensibilização,
postura, trabalho corporal, impostação da voz,
técnicas de respiração, aprendizado e
gravação do livro sob orientação
de Analu, que além de escritora é atriz.
No programa do Sesc Rio, há a preocupação
de atender a exigências básicas, como: especificar
todos os itens do livro (título, autor, edição,
ano de lançamento, etc), soletrar palavras estrangeiras
ou onomatopéias, ler e indicar partes do livro (capa,
contracapa, orelha, nota, etc), e informar os lados da fita.
Esta técnica será abordada nas aulas, que serão
baseadas no "Livro Falado – Uma história
para ler, gravar e ouvir". Escrito pela atriz, o livro
revela as dificuldades e habilidades do deficiente, e ensina
a técnica para a gravação de livros.
De acordo com Analu, seu livro conta a história de
uma menina que começa a conviver com um vizinho deficiente
visual que incentiva a vizinhança a gravar livros para
outras crianças como ele. O livro aborda o processo
de desenvolvimento de outros sentidos pelo qual passa o deficiente
visual, como percepção de odores, utilização
dos passos como unidade de distância, além de
tratar de problemas como falta de acessibilidade nas calçadas
devido a hidrantes, canteiros e orelhões.
O programa conta com a coordenação geral socioeducativa
do Sesc Rio e a interação de dois programas:
Programa de Leitura e Sesc Voluntário - conhecidos
pelos trabalhos da Trupe Solidária, OAB vai à
Escola, Mães Cegonhas e Banco Rio de Alimentos.
Muitos dos voluntários que estão participando
são do próprio grupo já promovido pelo
Sesc, como é o caso do radialista José Mauro
Fernandes, que costuma visitar asilos e outras instituições
para interagir com crianças, idosos e pacientes em
geral. "Nunca tinha feito algum trabalho com deficientes
visuais. Não faz parte de nossa educação
respeitar o deficiente físico. As cidades não
estão preparadas para atendê-los. Não
é o fato de não ter nenhum deficiente físico
ou visual na família que impede o conhecimento das
dificuldades do deficiente. Aqui eu aprendi isto", conta
após última oficina na Unidade Três Rios.
A professora aposentada Ocirema Alves começou como
ledora no Instituto Benjamin Constant há 17 anos e
hoje trabalha como voluntária no Grupo da Boa Leitura.
Seu primeiro ouvinte é atualmente o vereador de Barbacena
(MG), Márcio Antônio de Souza. "Eles são
muito dedicados. São pessoas maravilhosas", afirma
Ocirema.
A professora indica a necessidade de um cadastro de ledores
em todas as audiotecas para momentos de maior demanda como
em épocas de concursos públicos quando a necessidade
de gravação de apostilas aumenta. Ela sugere
que esses ledores sejam professores das áreas a que
se referem as apostilas (Matemática, Física
e outras) pois eles fariam uma boa leitura devido a familiaridade
com o assunto.
Além disso, para Ocirema a falta de formação
para os ledores que atuam no momento das provas de concursos
públicos, pode prejudicar o candidato deficiente. "O
rapaz que é formado em Direito para quem eu leio desde
1990, perdeu uma questão porque a ledora não
tinha falado de uma figura. Ele acabou errando, mas passou
na prova e hoje é funcionário do Tribunal Federal
de Justiça", conta.
O Programa Livro Falado procura contribuir na disseminação
desta prática de capacitação do voluntariado,
principalmente em trabalhar com deficientes visuais. "Muitos
querem ajudar, mas não sabem como, não tem uma
preparação. Geralmente, quem adora ler se identifica
com o projeto", esclarece a coordenadora Maria José.
"Reivindico melhor qualidade técnica para a
realização dos livros", afirma Analu que
tem como meta ter um estúdio para dar um tratamento
técnico satisfatório aos livros gravados sem
pagar 50 reais a hora, o que encarece demais o material. Além
disso, a escritora gostaria que seu livro participasse do
projeto do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
"Fato que é benéfico para os dois lados:
os cegos terão mais títulos disponíveis
para sua formação e informação
e os jovens voluntários estarão lendo mais,
melhorando sua formação intelectual e enriquecendo
sua vida pessoal".
Além deste programa do livro Falado, Analu está
ensaiando com quatro jovens deficientes, três cegos
e um com baixa visão, para a apresentação
teatral do texto "Elogio do Arame" do poeta Marcus
Vinicius, presidente do Sindicato dos Escritores do Estado
do Rio de Janeiro. E não desiste de uma de suas metas:
"Quero capacitar um número expressivo de pessoas
e quero que estas pessoas criem novas oficinas".
Números da exclusão
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o país apresenta cerca
de 16,6 milhões de deficientes visuais (incapaz, com
alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar). Dos
26 milhões de trabalhadores formais no Brasil, 537
mil são deficientes visuais, ou seja, 2% do total.
Isso dá uma idéia da dificuldade do ingresso
do deficiente no mercado de trabalho.
A pesquisa do Instituto Benjamin Constant, em 2003, comprovou
que apenas 36% das pessoas cegas são alfabetizadas
pelo sistema Braille. Assim o programa Livro Falado poderia
ser uma saída para quem desconhece o Braille.
O Instituto Benjamin Constant (IBC), órgão
vinculado ao Ministério da Educação,
completou na última sexta-feira (17/09/04) 150 anos
na área de atendimento e inclusão do deficiente
visual. Fundado em 1854 com o nome de Imperial Instituto dos
Meninos Cegos, foi a primeira instituição de
educação especial com atividades para o atendimento
das necessidades acadêmicas, reabilitacionais, médicas,
profissionais, culturais, esportivas e de lazer da pessoa
cega e portadora de visão subnormal.
O Instituto é também o responsável
pelo desenvolvimento da técnica do Livro Falado. Criado
há 40 anos pelo professor Benno Arno Marquadt, o método
nasceu em encontros formados por professores do Benjamin Constant
portadores de deficiência visual que se reuniam para
ler obras em Braille. As leituras orais passaram para as gravações
em fitas cassete, formando o Grupo da Boa Leitura. Atualmente,
o Grupo conta com 70 voluntários, 380 associados e
cinco mil obras de literatura entre alguns títulos
espiritualistas, auto-ajuda e Psicologia.
Leonardo Dias de Oliveira, 18 anos, entrou com sete anos
no Instituto e pratica teatro, aprende a fazer as coisas de
convivência para saber a respeitar o limite do outro.
"Aprendo coisas como AVD (atividades de vida diária):
varrer a casa, passar pano e outras coisas, que muitas aprendem
apenas olhando seus pais fazendo, mas nós precisamos
de uma orientação já que não vemos
estas atividades costumeiras", diz o estudante.
Já Vanessa Rodrigues da Silva, 15 anos, é
só elogios para o instituto. "Costumo dizer que
é um rio de oportunidade, ou melhor, um mar de ondas
rapidíssimas que temos que aproveitar a todo instante.
Foi aqui que conheci teatro, minhas amizades e o que eu sou
mesmo", afirma Vanessa.
Serviço
Sesc Três Rios (0XX24) 2252-2512/2074
Rua Nelson Viana, 327 – Centro – Três Rios
– RJ
CEP: 25805-290
Sesc Nitéroi (0XX24)27199119
Rua Padre Anchieta, 56. Centro - Niterói - RJ
CEP: 24210-050
Sesc Tijuca (0XX21)3238-2143/3238-2100
Rua Barão de Mesquita, 539. Tijuca - Rio de Janeiro
- RJ
CEP: 20540-001
Sesc Engenho de Dentro (0XX21)2583-4661/2596-3181
Avenida Amaro Cavalcanti, 1661. Engenho de Dentro - Rio de
Janeiro - RJ.
CEP: 20735-041
Sesc Nova Friburgo (0XX22)2522-4052
Av. Presidente Costa e Silva, 231
CEP: 28630-000
Sesc Nova Iguaçu (0XX22)2797-3001
Rua Dom Adriano Hipólito, 10. Moquetá - Nova
Iguaçu - RJ
CEP: 26.285-330
Instituto Benjamin Constant
Avenida Pasteur, 350 / 368
Urca - Rio de Janeiro - RJ
CEP: 22240-290
Tels.: (0XX21) 2543-1180 e 2295-4498
SUSANA SARMIENTO
do site Setor3
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