O estereótipo de que o jovem
brasileiro é alienado e não se interessa por
política praticamente pertence ao senso comum. Encarar
o jovem como um "problema" e não como um
ser humano repleto de potencialidades também faz parte
do imaginário coletivo.
Mas a realidade de uma metrópole como São
Paulo, que reúne uma diversidade enorme de jovens,
reunidos em mais de 1600 grupos - como identificou o Mapa
da Juventude, realizado o ano passado pela Coordenadoria da
Juventude da Prefeitura de São Paulo - refuta qualquer
generalização. Existem "jovens", no
plural; "juventudes", no plural. E, nessa riqueza
de variedade, não é difícil encontrar
grupos de jovens, que se formam por iniciativa própria
para discutir questões sobre política e cidadania.
Em Cidade Tiradentes, zona Leste da cidade, o Núcleo
Cultural Força Ativa reúne cerca de 30 jovens
que, mensalmente, estudam os autores clássicos da política
como Marx, Engels ou Gramsci. O grupo foi fundado há
15 anos, no bairro de Santana, zona Norte, como uma "posse"
(pessoas que se reúnem para discutir e desenvolver
a cultura hip hop).
Em 95, alguns dos integrantes mudaram-se para Cidade Tiradentes,
mas resolveram continuar discutindo política e cidadania,
"incentivando a consciência de classe, o protagonismo
juvenil e a participação ativa na política
brasileira", nas palavras de Jean Karlo Oliveira de Souza,
27, integrante do Força Ativa.
Tomando por base o pensamento de Paulo Freire, que considerava
que todo ser humano é um produtor de cultura, o grupo
passou a agrupar músicos, atores de teatro, artesãos,
estudantes, entre outros, para trabalharem em um projeto de
incentivo à leitura. O "Vamos Ler um Livro"
propiciou a implantação de uma biblioteca comunitária
no bairro, aberta à comunidade em geral.
A vontade de transformar o bairro e gerar melhorias sociais
também é característica do Núcleo
Poder e Revolução, que atua nos bairros do Parque
Bristol, Vila Livieiro e Jardim São Savério
(zona Sul de São Paulo). Maria Nilda Bota Almeida,
25, explica que o grupo - composto por 11 jovens, entre 14
e 28 anos - existe desde 1999 e passou pela mesma trajetória
do Força Ativa. Começou como uma "posse"
e virou um Núcleo Cultural, com direito a biblioteca
comunitária.
Ela conta que, no início do trabalho, os jovens apenas
"colocavam a mão na massa". Organizaram mutirões
de limpeza de um córrego, por exemplo. Mas depois,
notaram que, com uma ação mais política,
de conscientização do morador do bairro para
não sujar o córrego e de cobrança das
políticas públicas poderiam ter uma atuação
mais efetiva. Em decorrência da pressão pública
geral, eles conseguiram construir uma quadra de esportes e
também estão canalizando o córrego.
Jovens e política
A pesquisa "Jovens eleitores: consciência
e participação na política", realizada
recentemente pelo Instituto da Cidadania, na região
metropolitana de São Paulo com estudantes (a maioria
entre 15 e 17 anos) de duas escolas do Ensino Médio
(uma da rede pública e outra da rede privada), mostrou
que 90% dos estudantes acompanham os fatos políticos,
através da televisão, jornais, revistas e rádio,
principalmente.
A pesquisa foi realizada com estudantes que participaram
de um curso sobre a importância do voto, voltado para
estudantes do Ensino Médio e realizado também
pelo Instituto da Cidadania. Os estudantes foram avaliados
antes e depois do curso, que durava uma manhã e tinha
como conteúdo informações básicas
sobre política, voto e eleições, como
a diferença de atuação entre os poderes
Executivo e Legislativo, qual a importância de se conhecer
o papel de um deputado e de um vereador, quem são eles
e como participam da vida da cidade.
Ao contrário daquele estereótipo do adolescente
alienado, o estudo mostrou que, para 84% deles, a política
é interessante e faz parte de seu cotidiano. No entanto,
quando questionados sobre como pretendem atuar na política
brasileira, 65% dizem que apenas como eleitores e 25% através
da militância e do movimento estudantil. Marcia Vasconcellos,
superintendente do Instituto da Cidadania, avalia que isso
é reflexo de uma falta de canais de participação
para a juventude.
Um dado interessante apontado pelo estudo é que não
existe diferença de posicionamento entre os estudantes
da rede pública e da rede privada em relação
às suas prioridades. Ambos apontam educação,
emprego, segurança e distribuição de
renda como prioritários. A única diferença
é que os estudantes da rede privada colocam a segurança
em segundo lugar e o emprego em terceiro, ao contrário
do que dizem os estudantes da rede pública.
Os principais problemas dos políticos apontados pelos
estudantes são a corrupção, o não
cumprimento das promessas eleitorais e o fato de estarem distantes
da realidade. Marcia diz que os estudantes têm um preconceito
em relação à qualidade da política.
Ela acredita que isso é decorrente do "barulho
que a mídia sempre faz, ressaltando os aspectos negativos
da política" e não as boas propostas dos
governantes. "Políticos desonestos existem, mas
não se pode generalizar", afirma.
Segundo Marcia Vasconcellos, todos esses dados, além
da experiência desenvolvida com os alunos durante o
curso apontam para o fato de que o jovem brasileiro tem uma
postura madura em relação à política
e interiorizou os valores da democracia. A pesquisa sugere,
entretanto, que a melhoria da qualidade do voto depende do
aumento da escolaridade da população.
Ação cotidiana
A estudante de jornalismo Marcela Freitas, 21, participa
do grupo Comitê Ação Política,
que embora atualmente esteja com suas atividades paralisadas,
durante 2,5 anos reuniu 12 jovens de 15 a 21 anos, desenvolveu
diversas atividades, inclusive de estudos sobre política,
no bairro do Jardim São Gonçalo, na zona Leste
da capital. O grupo organizou aulas de política e cidadania
com o sociólogo Eduardo Gianotti, professor aposentado
da USP.
Para Marcela, a política - "do jeito que está"
- não atrai ninguém, porque está sendo
desenvolvida por "políticos desonestos".
No entanto, quando se começa a entender a política
de uma forma mais ampla, como ações que influenciam
o cotidiano de seu bairro, a melhoria do esgoto, da educação,
do transporte, então, ela passa a despertar o interesse
de todos. "Só que os jovens não sabem que
a política é isso porque isso não é
dito. O jovem não entende a política dessa forma
mais ampla", acredita. Para ela, o jovem deveria interpretar
a política como um assunto "light", que pode
ser discutido, assim como ele conversa sobre futebol e outros
temas cotidianos.
Maria Nilda concorda. Ela acredita que a maioria dos jovens
não se interessa pela política partidária,
que é a mais evidente – já que a cada
dois anos aparece na televisão, em função
das eleições – porque parece um pouco
distante de seu cotidiano. No entanto, ela entende que a política
deve fazer parte da vida diária do cidadão.
E, na definição da estudante, toda vez que você
toma uma decisão, você realiza um ato político,
mesmo que sua ação seja a omissão. Ela
considera que a televisão não mostra esse sentido
mais amplo da política, Isso faz com que o jovem nem
saiba que ele poderia tomar suas decisões de forma
mais consciente, entendendo que tudo o que ele faz tem conseqüências.
Para o integrante do Força Ativa, Jean Karlo Oliveira
de Souza, esse descrédito do jovem em relação
à política é decorrente de uma falta
de identificação. Ele considera que as políticas
não são voltadas para a juventude, que não
existem candidatos jovens e que, quando existem, eles não
são compromissados com esse público. Outro problema
levantado por Jean é o fato de os jovens serem encarados
como um "problema" pela sociedade em geral, o que
faz com que a sociedade não acredite no poder fiscalizador
que a juventude pode ter em relação às
políticas públicas ou em sua participação
mais ativa.
De fato, alguns jovens ainda encaram a política como
um assunto distante. Esse é o caso de Carolina Cristina
Mila Micheleto,16, que resolveu esperar até os 18 anos
para tirar seu título. Ela diz que não se interessa
sobre política, embora considere o assunto importante
e até diga que é importante que as pessoas reclamem
com os vereadores e prefeitos quando não estão
satisfeitas com os rumos do governo.
A adolescente acha que o jovem deveria discutir política,
mas afirma que a maioria dos colegas não tem interesse,
pensa apenas no "próprio umbigo". Ela conta
que, em sua escola, pouco se discute sobre o assunto. Já
na família, o tema sempre foi polêmico e motivo
de brigas. Alguns de seus parentes têm preferência
por um determinado partido. Outros votam em candidatos isolados,
independente do partido. Ela diz que já houve discussões
mais graves e mais leves, por isso o assunto hoje é
evitado. Na opinião dela, as pessoas deveriam discutir
política, mas sempre respeitando a opinião dos
outros.
Rumo ao emprego
Maria Nilda Bota Almeida (Dinha), do Núcleo
Poder e Revolução, avalia que quando um jovem
começa a discutir política, ele desenvolve um
juízo de valor diferente do jovem em geral e começa
a sentir necessidade de atuar de forma mais efetiva na comunidade.
Além disso, há um aprofundamento muito grande
do pensamento reflexivo.
Hoje, ela é estagiária da Ação
Educativa – organização social que trabalha
com Educação – e acredita que sua experiência
e interesse por cidadania foi fundamental para sua contratação.
No entanto, adverte que o engajamento político sozinho
não basta, é preciso também estudar.
Rubens Tavares de Macena Rocha, 21, integrante do Comitê
Ação Política também diz que,
em função de seu interesse por política
e cidadania, conseguiu seu emprego de monitor do projeto Garagem
Digital, desenvolvido no Centro Profissionalizante de Adolescentes
Padre Belo (CPA), com o apoio da Fundação Abrinq.
"A cidadania e a atuação política
são um diferencial para o jovem", afirma.
Pelo menos para quem tem interesse em atuar no Terceiro
Setor, essas características parecem aproximar o jovem
do mercado de trabalho. Marcela Freitas também trabalha
em uma organização social internacional, a Rede
Global da Ação Juvenil, que atua com organizações
juvenis de 200 países, facilitando a participação
juvenil na política internacional.
LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3
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