Enxuto,
o Estado tem delegado, cada vez mais, funções
para a sociedade civil. Da saúde indígena à
construção de cisternas no semi-árido.
Obrigado a cortar R$ 1 bilhão de verbas de custeio
em 2004, o governo federal descobriu que, só no ano
passado, destinou quase R$ 1,3 bilhão para entidades
privadas sem fins lucrativos, em transferências diretas
e sem licitação. Infiltrado na máquina
pública, o terceiro setor transformou-se em braço
do Estado, o que preocupa o governo e as próprias organizações
não governamentais (ONGs).
A dimensão do setor e o tamanho da fatia que ele abocanha
levaram o governo a montar um grupo de trabalho, coordenado
pela Secretaria Geral da Presidência da República,
para criar uma legislação que dê maior
transparência às relações.
Do total de recursos repassados para as entidades privadas
sem fins lucrativos, R$ 1,077 bilhão foi destinado
às atividades de responsabilidade do governo (custeio),
como o programa de alfabetização. Só
R$ 104,8 milhões foram para obras (investimentos).
O número é significativo se comparado às
transferências voluntárias (sem exigência
constitucional) feitas pela União a estados e municípios:
representa 44,8% do que foi destinado no ano passado aos estados
ou 41,4% da verba enviada a municípios. Segundo a Secretaria
Nacional do Tesouro, em 2003 foram transferidos R$ 2,4 bilhões
para os estados e R$ 2,6 bilhões para os municípios.
Índios
O terceiro setor domina, por exemplo, a prestação
de serviços aos índios, população
sob a tutela da União. Em 34 distritos sanitários
no país, as próprias organizações
indígenas têm sido encarregadas da saúde
e do saneamento nas tribos. Por enquanto, são as associações
indígenas — assessoradas por brancos —
que compram medicamentos, equipamentos, combustíveis
e até carros para a execução dos programas
de melhoria sanitária e saúde indígena.
Só no ano passado, foram R$ 192 milhões para
atendimento a 405 mil índios, dinheiro transferido
a 56 organizações. Para o Conselho Indígena
de Roraima (CIR) foram R$ 6,7 milhões. Para a Federação
das Organizações Indígenas do Rio Negro,
R$ 6,350 milhões. A Missão Evangélica
Caiua recebeu R$ 7, 2 milhões.
O Ministério da Saúde decidiu reassumir o controle
do programa. A Fundação Nacional de Saúde
(Funasa) comandará a compra de remédios, combustíveis
e equipamentos, e a mão-de-obra é contratada
para as ONGs. Mas é grande o impasse.
"Vivemos um período de transição
e há resistência. Mas a gestão (da saúde
indígena) é nossa", diz o diretor-executivo
da Funasa, Lenildo Moraes, acrescentando que os convênios
com as ONGs serão objeto de auditoria e que o programa
estará sob o controle do governo até o fim do
ano.
As ONGs só assumirão a gestão dos distritos
sanitários quando for inviável a atuação
da Funasa. Mas tanto as que estão no comando do programa
como as que refutam a possibilidade de o terceiro setor substituir
o Estado resistem. É o caso da Associação
Brasileira de ONGs (Abong).
"As ONGs não podem ser usadas para a terceirização
do papel do Estado", diz o diretor-geral da Abong, Jorge
Eduardo Saavedra Durão, que defende a atuação
na discussão de políticas, não em sua
execução.
A área indígena não é a única
em que a sociedade civil abraça tarefas de Estado.
Segundo dados do Sistema Integrado de Administração
Financeira (Siafi), as cooperativas de assentados têm
recebido verbas do Incra para elaborar projetos da reforma
agrária.
A Animação Pastoral e Social no Meio Rural,
por exemplo, recebeu R$ 4,7 milhões para prestação
de serviços de assistência técnica nos
projetos de assentamentos. Para a Cooperativa Central de Reforma
Agrária do Paraná, foram R$ 836,6 mil.
As informações são
do jornal O Globo.
|