A primeira etapa do que é
chamado no governo de "revolução"
do sistema universitário afasta a possibilidade de
cobrança de mensalidades nas instituições
públicas, mas prevê novos mecanismos de captação
de dinheiro para sustentá-las, como uma lei de incentivo
fiscal ao ensino superior e a cobrança de contribuições
compulsórias de ex-alunos de universidades públicas
com renda mensal superior a R$ 2.500.
As propostas foram discutidas por um grupo de trabalho coordenado
pelo Ministério da Educação e cuidam,
por ora, de resolver a crise financeira das universidades
públicas, que nos últimos meses vêm atrasando
até o pagamento de contas de luz e telefone. O resultado
poderá ser entregue ainda hoje pelo ministro Cristovam
Buarque ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O documento indica prazo até o final de junho de 2004
para o envio ao Congresso de uma proposta mais ampla de reforma
do sistema universitário. O desafio nesse capítulo
é não apenas garantir o aumento de vagas no
ensino superior (a meta é dobrar o número de
vagas em dez anos), mas tentar tornar a universidade mais
eficiente e fazer com que o produto dos cursos esteja em sintonia
com as necessidades do país.
Essa segunda etapa será debatida com mais vagar e
deverá levar em conta propostas como diplomas com prazo
de validade, defendida no documento "A universidade numa
encruzilhada", escrito por Buarque.
O MEC tem um diagnóstico da crise das universidades
bem diferente daquele apresentado recentemente pelo Ministério
da Fazenda. Inspirada em análises do Banco Mundial,
a Fazenda sugeriu a ampliação da oferta de vagas
nas instituições privadas como forma de aliviar
as contas públicas, comprometidas, segundo análise
do documento "Gasto social do governo central",
com o financiamento de alunos mais ricos nas instituições
públicas.
Até aqui, o ministro Cristovam Buarque conta com o
apoio do chefe da Casa Civil, José Dirceu, na defesa
e no fortalecimento da universidade pública.
"O governo tem toda clareza de que a privatização
da universidade está fora de questão, como também
a idéia de pôr fim à gratuidade. Na verdade,
o governo gostaria que todo o ensino superior fosse gratuito
no Brasil, caso isso fosse financeiramente possível,
uma vez que ele é de importância ainda mais essencial
para o país do que para o aluno", escreveu o ministro
da Educação.
Em comum, Fazenda e Educação defendem aumentar
o número de bolsas e o financiamento para alunos de
universidades particulares. O Fies (Fundo de Financiamento
ao Estudante do Ensino Superior) emprestará no ano
que vem R$ 829,2 milhões, 23% a mais do que em 2003.
A defesa que Buarque faz da escola pública não
se apóia num retrato cor-de-rosa das federais. "A
universidade federal chega a 2003 praticamente falida",
diz o ministro, que contabilizou mais de 300 dias de greves
entre 1985 e 2002, período em que o perfil da universidade
brasileira mudou: passou de entidade pública a preponderantemente
privada.
"Sem essas greves, é possível que as universidades
federais já tivessem fechado suas portas por abandono,
mas as consequências dessas greves foram extremamente
desgastantes, desmoralizando a universidade perante a opinião
pública", completou, no documento "A universidade
numa encruzilhada", em que defende ampliar as fontes
de financiamento para a instituição pública
funcionar sem crises.
A proposta que será entregue ao presidente Lula tenta
estimular doações privadas às universidades
do Estado por meio de incentivos fiscais, a exemplo do que
já ocorre hoje na área de cultura.
Resistência da Fazenda
É provável que o Ministério
da Fazenda resista à proposta porque a Receita Federal
já abrirá mão de recolher em 2004 mais
de R$ 800 milhões via abatimento de despesas com instrução
no Imposto de Renda, sem contar com os R$ 259 milhões
de impostos que deixa de cobrar de instituições
sem fins lucrativos.
Outra sugestão a ser levada pelo grupo de trabalho
a Lula encampa a proposta de emenda constitucional apresentada
no ano passado pelo então deputado petista Padre Roque
(PR) e que prevê o recolhimento de contribuição
social proporcional à renda de ex-alunos de graduação
e pós-graduação das universidades públicas.
A
proposta encontra-se arquivada na Câmara.
O documento cuja redação será fechada
por Cristovam Buarque endossa os números apresentados
pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Educação
Superior), segundo os quais as verbas para manter as universidades
caíram 32% nos últimos sete anos.
MARTA SALOMON,
da Folha de S.Paulo.
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