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entrevista
23/11/2004
Inclusão do negro pode promover o desenvolvimento do país

Ativista do movimento negro há 30 anos, Helio Santos é também professor de finanças na Universidade de São Paulo e doutor em Administração. Acostumado a trabalhar com números, o militante acredita que a diminuição das desigualdades raciais pode promover o desenvolvimento integral do Brasil.

Em entrevista exclusiva para o setor3, o professor faz uma análise dos movimentos negros atuais, sobre o Estatuto da Igualdade Racial, sobre as perspectivas para a diminuição das desigualdades e discriminação raciais e sobre a importância da instituição do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, como feriado.

Autor do livro "A Busca de Um Caminho para o Brasil - A Trilha do Círculo Vicioso", publicado pela Editora Senac São Paulo em 2001, o professor fez pesquisas durante 10 anos, para entender as contradições raciais da sociedade brasileira. Na publicação, escrita com uma linguagem bastante agradável, ele fala do racismo no país, da exclusão social do negro, sobre as formas de legitimação da escravidão e como se deu sua abolição.

setor3 – Como o senhor avalia o movimento negro atualmente?
Helio Santos
- O movimento negro, como todo movimento social, vive hoje um momento de pouco efervescência. No entanto, acredito que o movimento social negro apresenta uma movimentação acima dos demais movimentos sociais.

setor3 – Por que isso acontece?
Helio - Esse refluxo dos movimentos tem a ver com a coisa governamental... Mas existe um movimento de marcha, que é a Zumbi, fundada em 1995, quando se celebrou 300 anos da morte de Zumbi. Agora, em 2005, queremos Zumbi+10, por causa dos 310 anos. Haverá uma movimentação nacional importante. Então, os movimentos negros têm várias pessoas com expectativas diferentes, com conhecimentos diferentes, atuando. Na minha opinião, o movimento poderia aproveitar mais o momento para ter uma dinâmica maior. Afinal de contas, tem um governo, que é sensível [à causa]. Mas ser apenas sensível é insuficiente, como vem se demonstrando. Então, o movimento está eclipsado. Todos os movimentos sociais estão assim. O movimento negro também, mas menos na minha avaliação.

setor3 - Qual a principal conquista dos movimentos negros até o momento?
Helio - Você faz uma pergunta correta. Tudo que foi obtido até agora foi através do movimento. Você não pode creditar os avanços que nós conquistamos a nenhum partido político, a nenhum movimento político. Não há no Brasil, um único partido de defesa das nossas questões, da forma como as defendemos. Você tem aliados de diversos setores... Mas como eu avalio essas conquistas? Essas conquistas estão pela metade.

setor3 - Por quê?
Helio - Porque tudo o que foi viabilizado não partiu do governo. Nem do anterior nem deste. O que se tem nas universidades públicas são ações dos movimentos, dos ativistas. Em 2001, houve o encontro da ONU, em Durban. Foi um momento importante para o mundo, não só para o Brasil. E foi um momento em que o movimento negro se articulou e construiu. O que foi conquistado está aí. É resultado do ativismo e não de pessoas isoladas ou de partidos isolados. A avaliação que eu faço é a seguinte: a única coisa que tem sido feita hoje no horizonte político brasileiro são políticas de ações afirmativas. Leia o jornal de hoje e dos últimos 30 dias passados... Não estou falando do cenário internacional, mas dentro do Brasil... O dilema era o mesmo do governo Fernando Henrique, que já era do governo Itamar: desenvolvimento com inflação. Ou seja, você tem uma perspectiva econômica forte com horizonte político sem alternativas ousadas. A única coisa nova do panorama político são as cotas para negros, as políticas de ações afirmativas. Então, eu acho que o movimento negro, apesar de não ter aliados fortes como a mídia, conseguiu muito.

setor3 - E o Estatuto da Igualdade Racial, o que ele representa? E como o senhor avalia o fato de até hoje ele não ter sido aprovado?
Helio - O Estatuto da Igualdade Racial é um avanço. E o governo não quis mandar por medida provisória... Por medida provisória, o governo taxa inativo. Por medida provisória, o governo brinda o presidente do Banco Central. Mas as políticas de ação afirmativa, o governo considerou 'polêmicas'. Mas taxar inativos é muito mais polêmico! Como representa um avanço importante, eu não acredito que o Estatuto da Igualdade Racial passe incólume pelo Congresso. Ele vai ser cortado. E nem tenho mais certeza de sua aprovação. O Congresso é muito complicado... Há aliados e pessoas que são literalmente contra. Então, é um projeto muito amplo, que cobre tramitação, concurso público, envolve a universidade... O Estatuto da Igualdade Racial representa a síntese daquilo que o movimento negro sempre pregou, mas vai estar na berlinda no Congresso. O Congresso não consegue votar matérias muito menos polêmicas! Então, quando é que isso será votado? Portanto, é um horizonte nebuloso. Acho que o governo poderia marcar um tempo. Por exemplo, amanhã é dia 20 de novembro. E, e por medida provisória, deveria ter aprovado tudo isso. Seria um avanço importante e aí sim, o governo teria um grande crédito a seu favor: a mudança do Brasil.

setor3 - Fazendo uma relação da Marcha Zumbi+10 com o Estatuto, o movimento negro não vai pressionar de uma forma mais efetiva para a sua aprovação?
Helio - Vai sim. O movimento vai avançar. Eu acho que Zumbi +10 não é só dia 20 de novembro de 2004. Até dia 20 de novembro de 2005, nesses doze meses, já teremos grandes movimentações, grandes encontros. Portanto, eu estou otimista em relação ao ativismo negro. Acho que a marcha Zumbi+10 é a grande novidade.

setor3 – Como o senhor acredita que a diminuição das desigualdades raciais possa gerar um desenvolvimento econômico no Brasil?
Helio - A tese de que a exclusão do negro que impede o desenvolvimento brasileiro é minha. No meu livro [A Busca de Um Caminho para o Brasil - A Trilha do Círculo Vicioso] tem um capítulo que explica isso. Você pode esquadrinhar a inclusão do negro e mostrar como ela propõe e provoca o desenvolvimento integral.

setor3 – O senhor pode explicar melhor?
Helio - Há uma coisa chamada "mercado interno". Existem, no Brasil, 55 milhões de pobres que vivem abaixo da linha da pobreza. De cada dez pobres destes, sete são negros. O Brasil é uma das dez maiores economias mundiais - hoje, é uma das doze maiores economias industriais do mundo, mas há cinco anos nós éramos umas das oito maiores economias. Apesar disso, naquele mesmo ano, nós éramos a primeira economia em concentração de renda. Qual é o eixo de gravidade que explica isso? O eixo de gravidade que explica isso é exatamente a exclusão do negro. A exclusão acabou provocando a existência de dois Brasis: o Brasil moderno, rico, inclusivo, em que o negro não participa; e o Brasil pobre. Eu não aceito dizer que o Brasil não é desenvolvido. Quando alguém fala do Brasil, eu pergunto: "qual Brasil você está perguntando?". Se for o Brasil de Alphaville [região que concentra grandes empresas e onde está localizado um dos condomínios fechados mais luxuosos da Grande São Paulo] é o Brasil riquíssimo, o Brasil dos elos fortes, dos shoppings centers, o Brasil cujo primeiro item da pauta da exportação são jatos de porte médio, o melhor do mundo... Ao mesmo tempo, temos um déficit habitacional, com falta de milhões de moradias... Então, o Brasil é um país que não concluiu o dia 14 de maio de 1888 - o dia seguinte da abolição da escravidão. Essa é a minha tese. A inclusão do negro é que vai permitir o desenvolvimento com sustentação social. Essa tese - que os economistas de direita e de esquerda não consideram - é que o desenvolvimento inclusivo do negro é que provoca desenvolvimento integral.

setor3 - Como tentar diminuir essas desigualdades raciais? O senhor acha que isso passa pela educação ou por algum outro fator?
Helio - Por duas coisas: educação e trabalho. Além de você capacitar as pessoas, é fundamental a diversidade no mercado de trabalho. Aliás, antes de discutir emprego, vamos ter que discutir empregabilidade. Emprego é para quem tinha emprego e perdeu. Empregabilidade é para quem tem que ser capacitado, para os analfabetos funcionais. Então, eu não quero discutir emprego, quero discutir empregabilidade. A discussão que me interessa é empregabilidade!

setor3 - Qual é a perspectiva das crianças negras que nascem hoje? Existem várias pesquisas que dizem que, pelo simples fato de nascer negro, você tem duas vezes mais chances de ser pobre, não freqüentar a escola, morar em casa sem abastecimento de água, ou três vezes mais possibilidade de não ser alfabetizado...
Helio
- As perspectivas que eu tenho são boas. Eu acho que as crianças que estão nascendo hoje - que no ano de 2030 terão 26 ou 25 anos -, terão uma situação de vida muito melhor, porque os avanços, digamos assim, os primeiros passos estão sendo concretizados. Eu sou otimista.


setor3 – O senhor acredita que, daqui a 20 anos, haverá uma redução das desigualdades?
Helio
– Não, isso não. Só com as políticas de ação afirmativa começando em 2005, ao longo de 25 anos, conseguiremos uma redução [das desigualdades raciais]. Em 20, 25 anos, você reduz de forma significativa as desigualdades raciais. Assim, não serão mais necessárias essas ações. E sim outras.

setor3 – O senhor imagina quais outras?
Helio
- São estas que eu levantei, não são outras. São políticas massivas de inclusão que envolvem todas as variáveis do mundo econômico, não necessariamente ligadas aos negros. Não é só para a população negra. Um programa dessa magnitude impede o aumento da dívida externa. Mas o volume de investimento requerido [para o desenvolvimento integral] é enorme, não há recursos dessa monta, como coloco em meu livro. E aí, o governo vai ter que discutir a dívida externa e interna e renegociá-las. Nisso cabe uma discussão muito mais ampla.

setor3 - O senhor acredita que a instituição do dia 20 de novembro como feriado municipal em São Paulo representa um avanço para a causa negra?
Helio
- Sim. Você só muda após uma reflexão. E no dia 20, você reflete sobre a realidade negra do Brasil. A consciência negra é isso: a reflexão para todos sobre a posição negra no Brasil.


LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3

   
 
 
 

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