Ações de caráter
sigiloso, consumo secreto, serviço secreto. Sob indicações
cifradas como essas, foram gastos mais de R$ 10 milhões
do contribuinte em 2003. As despesas feitas até 17
de dezembro, a duas semanas do fim do primeiro ano de mandato
de Luiz Inácio Lula da Silva, superam a média
registrada com gastos secretos nos últimos sete anos.
De 1996 a 2002, desde quando a comparação é
possível, a média de gastos secretos no governo
federal foi de R$ 5,6 milhões por ano (em valores nominais).
Eles aparecem num território de acesso restrito do
Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais)
sob o título "Despesas de Caráter Secreto
ou Reservado" e três códigos com nove algarismos.
Um decreto-lei editado pelo primeiro presidente do regime
militar, Castello Branco, a poucos dias da posse do sucessor,
Costa e Silva, deu cobertura legal a esse tipo de despesa.
Na época, Lula contava 21 anos e dava os primeiros
passos no movimento sindical.
"A movimentação dos créditos destinados
à realização de despesas reservadas ou
confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter
serão tomadas as contas dos responsáveis",
afirma o decreto-lei 200, ainda em vigor.
Uma outra regra, baixada pelo TCU (Tribunal de Contas da
União) em 1979, deixa claro o grau de transparência
-muito pequeno- imposto a essa parcela do gasto público.
A resolução que especifica o processo de contas
sigilosas exige a relação das despesas efetuadas
e seu objetivo "na medida do possível".
Meias
Em situações aparentemente banais, o detalhamento
no Siafi chega a extremos, como no caso da compra de meias:
5.000 pares, meia social, cor preta, 100% poliamida, cano
longo, com proteção antiodor e antimicrobial.
O aumento dos gastos secretos sob o governo Lula foi objeto
de um ofício encaminhado na sexta-feira antes do Natal
ao ministro Waldir Pires, da Controladoria Geral da União,
pelo deputado distrital Augusto Carvalho (PPS). O documento
pede providências contra a crescente falta de transparência
nos gastos públicos.
"O acentuado crescimento desses gastos é preocupante.
No governo [Fernando] Collor [1990-1992], uma auditoria encontrou
nessa rubrica despesas pessoais da então primeira-dama.
E esse é mais um dos artifícios que eliminam
a transparência do gasto público", disse
Carvalho.
O deputado pesquisou os dados com a senha do presidente de
seu partido, o deputado federal Roberto Freire (PE). O PPS
é um dos partidos que integram a base de apoio do governo
Lula no Congresso.
O ofício dá outros exemplos de "artifícios"
que conspiram contra a transparência dos gastos com
o dinheiro do contribuinte. As despesas com cartões
de crédito aumentaram mais de 50% só para a
Presidência da República, de R$ 2,4 milhões,
em 2002, para R$ 3,6 milhões, neste ano, contabilizados
os pagamentos ao Banco do Brasil até a manhã
do dia 19.
Computados saques em dinheiro vivo feitos com cartões,
o dispêndio do Palácio do Planalto até
outubro já somava R$ 5 milhões. Além
da Presidência da República, vários ministérios
e órgãos públicos recorrem ao cartão
de crédito para "despesas peculiares". Nesses
casos, o Siafi só registra o pagamento à administradora
do cartão de crédito.
No Ministério das Relações Exteriores,
outro exemplo citado de falta de transparência: a maior
parte dos gastos é feita por meio do escritório
financeiro localizado em Nova York (EUA), sem discriminação.
Neste ano, do R$ 1 bilhão gasto pelo Itamaraty, R$
820 milhões saíram pelo tal escritório.
Míssil
O conjunto de gastos secretos feitos no ano mostra que os
comandos militares (principalmente a Aeronáutica),
a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e
a Polícia Federal são responsáveis pela
maior parte das despesas dessa natureza.
Além disso, o Siafi dá raras pistas de como
o dinheiro foi gasto. Em 30 de maio, por exemplo, o Centro
Técnico Aeroespacial pagou R$ 700 mil de uma prestação
do contrato para desenvolver míssil anti-radiação
MAR-1.
Já no mês de outubro, a Polícia Federal
realizou uma operação de caráter sigiloso
no Estado do Rio de Janeiro com o nome de "Missão
Suporte Rio".
Na conta de consumo secreto foi incluída até
mesmo a compra de um quadro magnético, dois marcadores,
um porta-marcador e um apagador para o Centro de Instrução
Almirante Graça Aranha, no Rio de Janeiro. O custo:
R$ 3.781,50.
MARTA SALOMON
da Folha de S. Paulo, sucursal de Brasília
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