As Escolas de Informática
e Cidadania (EICs) do Distrito Federal são espaços
onde realidade e ficção parecem se misturar.
E não se trata de internet e mundo virtual.
A realidade ganha ar de ficção com histórias
como a de Iara Delfina Alves. Em 2002, aos 22 anos, estava
desempregada e não estudava. Uma amiga "muito
insistente" a convenceu a fazer um curso de introdução
à microinformática (Windows, Word e Excel) na
EIC Recanto, em Brasília. "Eu disse que não
queria porque não era capaz. Minha auto-estima era
muito baixa, sabe? Mas de tanto ela falar, fui."
Essas escolas são produtos da organização
não-governamental Comitê para Democratização
da Informática (CDI), que trabalha para promover a
inclusão digital e, ao mesmo tempo, disseminar noções
de cidadania em comunidades de baixa renda. O CDI do Distrito
Federal, apoiado pelo PNUD, existe desde 1999, tem 68 EICs
montadas e 57 funcionando, com mensalidade ao redor de R$
10.
As aulas de informática e cidadania deram tamanho
estímulo a Iara que ela voltou para a escola e deu
um salto profissional. "Antes do curso, o máximo
que pensava para mim era ser dona-de-casa ou ficar atrás
de um balcão. Mas depois do curso já fui secretária
e auxiliar de administração por 10 meses num
escritório. E quero muito mais", diz a jovem.
Desde que o escritório fechou, ela está na "famosa
procura" por emprego.
Também não demorou para que ela passasse de
aluna a professora. O convite surgiu pouco depois do fim do
curso, devido a seu bom desempenho nas aulas. Quarenta alunos
depois, Iara tomou gosto pelo contato com as pessoas e pensa
em fazer faculdade de Pedagogia ou Psicologia para desenvolver
a habilidade. Com os meses no escritório, ela deixou
de dar aulas, mas diz que está disposta a voltar. "Da
maneira como me ajudaram, tenho o dever de ajudar. E ensinar
é aprender duas vezes, né?"
Longe da marginalidade
A história de Walder Rodrigo Gonçalves
de Almeida, 27 anos, também lembra passes de mágica.
"Eu era problemático, me envolvia em brigas e
com amizades erradas. Era um caso quase perdido", conta
o rapaz.
Hoje, ele é instrutor-coordenador da EIC Cata-Vento,
técnico de informática — trabalha com
webdesign, instalação e manutenção
de computadores — e está no primeiro semestre
da faculdade de Sistemas de Informação.
A mudança começou quando aceitou ser voluntário
de uma ONG que tenta resgatar jovens e crianças das
ruas através do esporte, como queria o pai. Em pouco
tempo, a ONG firmou uma parceria com o CDI para que esses
jovens aprendessem informática. Os cursos são
para alunos de todas as idades, exceto para crianças.
Como já tinha certa intimidade com computadores, foi
um pulo para Almeida começar a ensinar numa EIC, há
quatro anos. "A partir daí, vendo os alunos na
minha frente, comecei a pensar diferente, a pensar na responsabilidade
que eu tinha. Foi uma virada muito positiva."
Agora, os planos de Walder são terminar a faculdade,
arrumar um bom emprego e continuar ajudando sua comunidade
por meio do trabalho como educador. "Quero trabalhar
com esses jovens que precisam apenas de um incentivo, como
eu, para sair da vida marginalizada e ter um futuro digno",
destaca.
A diferença do "empurrãozinho"
A principal contribuição do PNUD ao
CDI é por meio do Programa de Voluntários das
Nações Unidas. A voluntária Mônica
Morais trabalha na capacitação de educadores
e coordenadores das escolas. "As EICs são montadas
em comunidades de baixa renda, a partir de parcerias com centros
comunitários, grupos sindicais, religiosos, entre outros.
Os computadores são doados ao CDI por empresas, órgãos
públicos", afirma. Há cerca de cinco micros
por escola e dois alunos por máquina.
Para Mônica, ser voluntária no CDI é
um "experiência fantástica". Segundo
ela, a auto-estima das pessoas melhora muito no decorrer do
curso porque eles descobrem que são capazes de progredir
na vida pouco tempo depois de "acharem que aprender aquilo
era um sonho meio inatingível". E acrescenta:
"Não precisa de muito para que as pessoas comecem
a melhorar. Um empurrãozinho já faz uma enorme
diferença", afirma.
De volta à ficção
Ao longo do curso, a estudante Barbarah Pereira Dias,
de 17 anos, sensibilizou-se com as histórias de colegas
da EIC. Resultado: inspirou-se a escrever um livro "sobre
como mudar o mundo", recheando com ficção
histórias reais, algumas delas sobre o que viveu em
sala de aula.
Um dos textos é sobre aborto, com base na experiência
de uma colega de classe. "A maioria das meninas faz isso
hoje em dia", revolta-se Barbarah. "Elas não
têm consciência", completa. O texto, intitulado
"Esperança ou morte" é duro com os
defensores da prática. No texto, um bebê ainda
no útero questiona: "Por que querem me destruir
antes mesmo de nascer?" E prossegue: "Quero viver
e amar."
O livro também abordará temas como drogas e,
por um viés mais político, desemprego, cidadania
e outros. "Já escrevi todos os textos. Agora falta
conclusão e edição", diz a jovem.
Segundo ela, uma editora se interessou pela obra e já
está com o caderno onde escreveu os primeiros textos.
"Acho que estará pronto no final do ano".
As informações são
do site PNUD Brasil.
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