O governo precisaria desembolsar
R$ 4,6 bilhões caso quisesse assentar hoje as 166 mil
famílias de sem-terra que foram cadastradas neste ano
em acampamentos. O levantamento foi feito pela Agência
Folha a partir de planilhas fornecidas pelo Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O Orçamento de 2004 prevê R$ 1,005 bilhão
para o Ministério do Desenvolvimento Agrário.O
cálculo se baseia em dois levantamentos feitos pelo
Incra neste ano. Um deles mediu o custo médio para
assentar cada família de sem-terra, e outro, o número
de famílias acampadas no país.
Os resultados são diferenciados por Estado. São
Paulo teve o maior custo médio para assentar cada família:
R$ 99.415. Mais de 30 vezes a média do Piauí:
R$ 3.129 (leia texto nesta página).
O valor se refere à desapropriação da
área, incluindo o pagamento de benfeitorias, mas não
inclui os créditos e a infra-estrutura a ser montada
no assentamento -o que elevaria o gasto de R$ 4,6 bilhões.
Pressão para o Norte
O levantamento mostra onde fica mais caro assentar. Segundo
especialistas, isso tende a privilegiar as desapropriações
na região Norte que, historicamente, possui terras
mais baratas e uma maior quantidade de áreas públicas.
Segundo dados da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a
região concentra cerca de 40% das 600 mil famílias
assentadas entre 1955 e 2002 no país.
Ao divulgar as metas do novo Plano Nacional de Reforma Agrária
(assentar 400 mil famílias até 2006), há
dez dias, o próprio Ministério do Desenvolvimento
Agrário sinalizou que irá priorizar a obtenção
de terras por meio de desapropriações, nas quais
o governo indeniza o fazendeiro pela terra nua, com TDAs (Títulos
da Dívida Agrária), e pela estrutura da fazenda,
as chamadas benfeitorias, com pagamento em dinheiro.
Atualmente, se não houver acordo entre o Incra e o
proprietário, o valor da terra é determinado
pela Justiça.
Segundo o boletim "Agrianual 2004", da FNP Consultoria
& Agroinformativos, com levantamento atualizado até
agosto deste ano, em São Paulo cada hectare de terra
nua (sem benfeitorias) vale em média R$ 7.316.
O analista de terras José Antônio Pusch, da
FNP, diz que "as culturas para exportação,
principalmente a soja, estão puxando para cima o valor
das terras no país". Levantamento da consultoria
mostra que o preço médio do hectare no Brasil
passou de R$ 1.667, em dezembro de 2001, para R$ 2.516, em
agosto de 2003 -um avanço de 50%. "A tendência
é continuar subindo."
Para o economista Guilherme Delgado, do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), o Incra deve encontrar
uma forma de regular o preço da terra em patamares
"justos". "Se o Incra entra com um preço
alto, o mercado se torna inflacionista."
Na mesma linha, o geógrafo Bernardo Mançano
Fernandes, da Unesp, diz que o governo tem de ter "coragem"
para desvincular o valor da terra das especulações
do mercado. "Fazer a reforma agrária é
um desafio, por isso deve ser encarada como uma questão
política."
Uma das formas que o governo estuda para baratear os processos
de desapropriação é, por meio de um decreto
presidencial, atrelar o rendimento dos TDAs ao mercado de
terras. Ou seja, em vez de serem remunerados por juros, os
títulos iriam variar de acordo com as mudanças
nos preços da terra.
A idéia é que a desapropriação
de áreas improdutivas não seja algo rentável
aos proprietários (rendimento anual na casa dos 10%)
e sim punitivo.
"Há discussões que estão há
dez anos na Justiça e, se formos ver o rendimento dos
TDAs depositados, já deu o valor de duas propriedades",
disse Marcelo Afonso da Silva, assessor especial da Secretaria
Nacional de Desenvolvimento Agrário.
EDUARDO SCOLESE
Da Agência Folha
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