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02/02/2004
Lula propõe mobilização em NY contra a fome

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer reunir em Nova York, pouco antes da abertura da Assembléia Geral da ONU, em setembro, mais de 30 chefes de Estado e de governo para discutir a arrecadação de dinheiro para um fundo mundial de combate à fome e à pobreza. A reunião, se ocorrer na dimensão que Lula deseja, poderá deslanchar a criação do fundo. O jornal O Globo obteve com exclusividade uma gravação do encontro reservado que Lula teve na sexta-feira, em Genebra, com o presidente da França, Jacques Chirac, o presidente do Chile, Ricardo Lagos, e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Depois de propor a reunião em Nova York, o presidente disse:

"Precisamos, na Assembléia Geral da ONU, fazer um chamamento, como fizemos em Monterrey (no México, na reunião da Alca). Quem sabe levar alguns milhares de famintos lá para as pessoas se lembrarem de que existem e que estão perambulando..."

Várias idéias foram lançadas no ar durante a conversa de cerca de uma hora entre os quatro. Nada de concreto foi acertado, mas ficou clara a disposição de todos para buscar saídas. O presidente Chirac, revelou a todos uma conversa que teve com Lula sobre a experiência no Brasil com a CPMF. Empolgado com a idéia, disse:

"Podemos imaginar uma taxa sobre cheques, sobre transações financeiras, comércio de armamentos. Não quero prejulgar nada. O fato é que vamos encontrar um meio".

O presidente francês convidou Brasil, Chile e a ONU para participarem de uma reunião em Paris com os ingleses “daqui a pouco” para discutir uma proposta britânica. Convidou o Brasil também para participar do grupo técnico que ele acaba de criar em Paris para estudar a taxação sobre o comércio de armas e outras propostas.

Lula abriu a reunião assim:

" Temos capacidade de gerir corretamente estes fundos. Proposta para o fundo é o que não falta".

Depois de lembrar da meta estabelecida pela ONU para que os países reduzam à metade, até 2015, a fome no mundo, acrescentou:

"Se começarmos agora teremos chances de cumprir. Estou muito otimista com a possibilidade de fazer com que isso se transforme em realidade. Se a ONU mantiver a disposição que está mantendo, com pessoas como o presidente Chirac, como Lagos, assumindo esta bandeira fico mais otimista na capacidade de arrecadação".

Lula chama presidentes de companheiros
Mantendo seu estilo, Lula se dirigiu aos demais presidentes como companheiros e passou a palavra para o secretário-geral da ONU. Kofi Annan disse que havia gostado muito do fato de o tema da fome e da pobreza ter sido levantado tão cedo, “no início do ano”. E, numa alusão à crise do Iraque, que dominou a agenda no mundo em 2003, queixou-se do foco excessivo em questões de guerra e paz:

"Focalizamos demais questões de guerra e paz no ano passado. Espero que em 2004 possamos reequilibrar a agenda internacional. Para mim é um estímulo ver que vocês estão incluindo isso na agenda. Isso reforça metas acordadas e aceitas pelos governos".

Annan alertou a todos para problemas que terão com alguns governos que insistem em ajudar no combate à fome doando alimentos, e não dinheiro. Ninguém mencionou nomes, mas foi uma referência aos Estados Unidos.

"Alguns governos dão ajuda em alimentos no lugar de dinheiro. Teremos esse tipo de concorrência, ou melhor, esse tipo de discussão com alguns governos que acreditam que já estão dando milhões sob forma de alimentos aos pobres e, portanto, não deveriam fazer contribuições financeiras", disse.

O secretário-geral da ONU concordou com Lula: a tarefa de levantar fundos não será fácil e exigirá muito esforço.

"Em me vejo estimulado pelo fato de que o senhor (Lula) não limita esse levantamento de recursos a governos. Se compreendo corretamente, o setor privado também tem contribuição a fazer", disse Annan.

Chirac agradeceu calorosamente a Lula por sua iniciativa e começou a fazer cálculos. Comentou que os americanos são responsáveis por metade dos US$ 900 bilhões gastos com equipamento militar no mundo. Citou o Produto Interno Bruto (PIB) mundial: US$ 33 trilhões, acrescentando que o comércio internacional movimenta US$ 8 trilhões, “sem contar com transações financeiras”. E concluiu:

"Se estou citando estes números é para dizer que nossos US$ 50 bilhões (necessários para reduzir a fome) são uma vírgula no texto que estamos escrevendo. Nem se vê! Em termos financeiros, é praticamente inexistente".

Depois de perguntar a todos como poderiam avançar, Chirac chamou de escândalo o fato de o Banco Mundial ter reduzido os investimentos na produção agrícola nos países pobres.

"A ajuda alimentar, muitas vezes, é um roubo. Temos que dizer isso", disse Chirac.

O presidente francês se queixou da falta de coordenação na assistência internacional e pediu a Annan que busque coordenação melhor dentro da ONU. Chirac elogiou Lula:

"O presidente Lula lançou uma operação muito interessante que se chama Fome Zero. Uma coisa simples que implica vontade política e funciona", disse Chirac.

Citando as propostas que estão sendo lançadas — a britânica, para taxação de transações financeiras, por exemplo — concluiu:

"Isso justificaria a criação de um fundo contra a fome sugerido pelo presidente Lula. Gostaria que nossa reunião de hoje fosse o início de um processo. A França tem a intenção de propor aos nossos amigos americanos a discussão deste problema na reunião do G-8 daqui a meses em Sea Island. Queremos que o G-8 tenha a mesma iniciativa que Evian, com representantes de países do Sul".

Lula contou a todos sobre uma conversa que teve com Chirac, em que pediu para que ele convencesse o presidente George W. Bush a repetir a fórmula de Evian, isto é, convidar países emergentes, como o Brasil.

O presidente chileno, Ricardo Lagos, também falou longamente, dando ênfase ao fato de que os países pobres terão que fazer sua parte no esforço para combate à fome, sob o risco de perderem credibilidade.

“O Brasil precisa é de um pouco de vergonha”
O presidente Lula retomou a palavra para dizer que, às vezes, se assusta com a quantidade de pessoas passando fome e foi franco ao se referir ao problema da corrupção em governos africanos:

"A verdade é que o Brasil não precisa de fundo, de dinheiro externo para resolver o problema da sua fome. Precisamos é de um pouco de vergonha e disposição política para fazer as coisas. Mas tem países que, se não houver concretamente um fundo e uma espécie de ajuda na aplicação dos fundos, vão receber dinheiro e as coisas não vão ser resolvidas porque tem países pobres onde os dirigentes são ricos com contas bancárias gordas em outros países. Isso não é possível", queixou-se Lula, citando as contas milionárias que o ex-ditador africano Mobuto mantinha em bancos no exterior, e também as fortunas que circulam em paraísos fiscais.


DEBORAH BERLINK
Enviada especial do jornal O Globo a Genebra

   
 
 
 

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