"É uma virose."
Quantos já não receberam um diagnóstico
pouco específico como esse no hospital, recomendação
de cama e boa alimentação, e voltaram para casa
ainda mais confusos?
Em geral, os médicos dão essa resposta quando
não é possível identificar rapidamente
o vírus causador do desconforto. O quadro é
nebuloso, com sintomas comuns às infecções
consideradas inofensivas causadas por esses microrganismos,
como cansaço, febre, falta de apetite.
De acordo com Artur Timerman, médico-assistente da
clínica de doenças infecciosas do Hospital Heliópolis,
de São Paulo, mais de cem tipos de vírus podem
nos infectar, mas é possível diagnosticar rapidamente
apenas cerca de 20 deles, estima.
A maior parte das viroses benignas tem origem em duas "famílias"
de vírus: a dos adenovírus (que causam resfriados)
e a dos enterovírus (que causam também problemas
intestinais). O vírus influenza, causador da gripe,
também é importante.
"Quando fazemos um diagnóstico de virose, damos
um atestado de nossa incompetência para identificar
rapidamente o vírus. Também não gosto
de dizer "virose". Parece que você está
querendo enganar", diz Timerman. "Mas mais importante
do que o diagnóstico é a conduta."
Até que saia o resultado do exame de sangue, a recomendação
de cama, líquidos, boa alimentação serve
para fortalecer as defesas do corpo, explica o médico.
Mesmo em quadros simples, alguns pacientes, desidratados,
sem conseguir comer, podem precisar de internação
para evitar uma piora ainda maior do estado geral.
De acordo com Clóvis Francisco Constantino, presidente
do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo), o diagnóstico de virose é "totalmente
ético, factível", diante das dificuldades
de se apontar facilmente qual o culpado pelo quadro infeccioso.
O presidente do Cremesp diz que, apesar de todos os vírus
serem passíveis de identificação, muitas
vezes a análise pode demorar mais do que a doença.
A saída é fazer um acompanhamento adequado enquanto
os exames não saem. "Não é dizer:
"O senhor tem virose. Até logo'", afirma.
Seis, sete dias sem melhora, após o diagnóstico
de virose, são indicativos de que pode não ser
uma infecção tão inofensiva, explica
o presidente do conselho.
Algumas doenças virais podem evoluir para uma situação
grave em 24 horas, caso da meningite, grave, explica Orlando
Jorge da Conceição, chefe do serviço
de infecção hospitalar do Hospital São
Luiz, de São Paulo. "Às vezes começa
com febre, mal-estar, mas inicialmente não dá
nem dor de cabeça", afirma.
Para Constantino, os pacientes devem ficar alertas para novos
sintomas ou sintomas que pioram, como alteração
no ritmo respiratório, tosse progredindo. E voltar
a buscar ajuda profissional.
Crianças, idosos e pessoas debilitadas por outros
problemas de saúde, como o diabetes e doenças
cardíacas, devem receber atenção especial.
Neles as queixas são ainda mais difíceis de
serem identificadas -não localizam as dores, por exemplo.
E, pela fragilidade do sistema de defesa, mesmo uma virose
benigna pode evoluir mal.
De acordo com Timerman, um quadro de virose pode piorar não
só porque o vírus é mais perigoso do
que parecia.
A infecção por vírus pode debilitar
o organismo e facilitar infecções bacterianas
associadas.
Fumantes, que têm o sistema imune abalado pelo tabaco,
também têm mais chances de complicações
como esta, explica o infectologista do Hospital Heliópolis.
Infelizmente há pouquíssimas drogas para combater
as infecções virais benignas -as que existem
são para as doenças virais graves, como a Aids.
Diagnóstico abusivo
Para Vicente Amato Neto, infectologista e professor emérito
da Faculdade de Medicina da USP, o diagnóstico de virose
tem sido abusivo no cotidiano dos hospitais. Ele afirma que
o paciente tem o direito, no mínimo, a um pouco mais
de diálogo.
"Mais ou menos que tipo, qual setor foi mais acometido
pelo vírus. São algumas das perguntas que devem
ser respondidas", diz o professor Amato Neto.
FABIANE LEITE
da Folha de S. Paulo
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