Em reunião ontem de manhã
com os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda), Guido Mantega
(Planejamento) e José Dirceu (Casa Civil), o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que haverá
corte de R$ 4 bilhões no Orçamento de 2004.
O contingenciamento (bloqueio de recursos) priorizará
as despesas de custeio da máquina pública, preservando
o máximo possível os investimentos por ordem
de Lula.
Como 2004 é ano de eleição, Lula quer
preservar os investimentos (obras, por exemplo), como cobram
os candidatos petistas e os políticos aliados. O Orçamento
prevê investimentos de cerca de R$ 12 bilhões
e gastos com custeio de aproximadamente R$ 38 bilhões.
As despesas de custeio incluem passagens aéreas, manutenção
dos prédios, compra de computadores etc. Além
de custeio e investimentos, existem ainda os gastos com pessoal,
que somam cerca de R$ 80 bilhões.
Detalhe: o governo acabou de anunciar a contratação
de 40 mil servidores, o que não é despesa de
custeio, mas de pessoal. Isso mostra que, apesar da intenção
de atingir o custeio, gastos com investimentos e com a contratação
de funcionários podem ser afetados. Mantega e sua equipe
no Planejamento tentavam fechar os cálculos até
ontem à noite para que Lula pudesse anunciar o valor
do contingenciamento hoje, na primeira reunião ministerial
pós-reforma. O detalhamento de ministério por
ministério deve vir em decreto na semana que vem.
Projeto de economia
A Folha apurou que Mantega prepara um projeto de incentivo
para economia em despesas de custeio, premiando órgãos
públicos que diminuírem esse tipo de despesa
ao longo do ano. Quem gastar menos em custeio poderá
receber mais recursos para fazer novos investimentos. Estuda-se
também uma forma de premiar servidores por bom desempenho.
A reunião sobre o bloqueio de recursos no Orçamento
foi o primeiro compromisso de Lula ontem. Ele chamou ao Palácio
da Alvorada os três (Palocci, Mantega e Dirceu) e foi
logo pedindo que não brigassem pela imprensa.
Palocci defendia um contingenciamento, a fim de dar um sinal
ao mercado e aos investidores num momento em que o Brasil
atravessa turbulência financeira. A Fazenda também
tem dúvidas se haverá receita suficiente para
gastar o que está no Orçamento.
Já Dirceu e Mantega desejavam não bloquear
nada agora e aguardar o comportamento da receita da União
para, mais à frente, segurar recursos, se necessário.
Um dos argumentos era que a receita de impostos em janeiro
ficou R$ 1 bilhão acima do esperado.
A Fazenda defendia ainda um corte de cerca de R$ 4 bilhões
nos investimentos, por avaliar que o Congresso os inflou.
Ao enviar a proposta de Orçamento, o governo previu
cerca de R$ 8 bilhões em investimentos, mas o Legislativo
aprovou R$ 12 bilhões.
Há choque de versões no governo sobre o tamanho
do corte desejado pela Fazenda. Uma dizia que ela queria contingenciar
R$ 8 bilhões -R$ 4 bilhões em investimentos
e outros R$ 4 bilhões em custeio. Outra versão
apontava o desejo de bloquear os R$ 4 bilhões em investimentos.
Ao anunciar o contingenciamento, Lula reforçou a posição
da equipe econômica, mostrando que o ajuste fiscal não
será abandonado. Em 2003, Lula contingenciou R$ 14
bilhões, mas liberou R$ 1 bilhão. O corte, de
fato, ficou em R$ 13 bilhões. Mas, ao tentar preservar
os investimentos, Lula demonstra preocupação
com geração de empregos num ano eleitoral. Como
o desemprego no país subiu no primeiro ano do governo
Lula, o assunto será de campanha da oposição
nas eleições municipais de outubro.
Receitas atípicas
Segundo a Folha apurou, o ministro Guido Mantega (Planejamento),
que é contra os cortes, acredita que não há
problema em incluir receitas atípicas na projeção
de arrecadação deste ano porque elas acontecem
todos os anos. O Congresso estimou uma arrecadação
atípica de R$ 4 bilhões.
A Receita Federal, porém, não aceita incluir
uma previsão para as receitas atípicas na projeção
de arrecadação. Embora a Receita tenha arrecadado
quase R$ 8 bilhões em receitas atípicas em 2003,
os técnicos não incluem nenhuma projeção
porque não é possível contar com elas.
Esse é um dos principais motivos da divergência
técnica entre Ministério da Fazenda e Ministério
do Planejamento em relação aos cortes.
Os técnicos da Receita também não querem
se comprometer com uma arrecadação maior do
que R$ 5 bilhões em relação às
mudanças na Cofins (Contribuição para
o Financiamento da Seguridade Social). Há uma pressão
grande das empresas que não passaram para as novas
regras, mas que deverão comprar produtos mais caros
por causa delas. A Receita está estudando os pedidos
dessas empresas, o que pode reduzir a arrecadação
prevista.
KENNEDY ALENCAR
SÍLVIA MUGNATTO
da Folha de S. Paulo
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