"Li
a legislação e vi que ela não estava
numa linguagem acessível a todos". Essa é
a resposta do engenheiro agrônomo de 67 anos, Gert Roland
Fischer, autor da Estatuto do Idoso Cartilha do Idoso, quando
questionado por sua interpretação sob a legislação.
Cansado do desrespeito aos idosos, decidiu elaborar uma espécie
de manual com 26 páginas, em preto e branco e papel
reciclado, com o objetivo de divulgar e democratizar o Estatuto
do Idoso, lei 10.741 de 2003, que completou um ano no primeiro
dia do ano.
Cerca de 16 milhões de idosos (número divulgado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- IBGE), no censo de 2000, podem usufruir do estatuto. Apesar
de sete anos de tramitação no Congresso, o Estatuto
do Idoso foi aprovado apenas em setembro de 2003 pelo presidente
Luís Inácio Lula da Silva e traz benefícios
na área da saúde, lazer, educação,
transportes coletivos, violência e abandono, trabalho,
habitação entre outros.
Na saúde, o idoso tem atendimento preferencial no
Sistema Único de Saúde (SUS); distribuição
gratuita de remédios, principalmente os de uso continuado
(como casos de hipertensão, diabetes e outros) e próteses
e órteses; direito a acompanhante nos casos de internação
com tempo determinado pelo médico.
Já no transporte coletivo, maiores de 65 anos têm
gratuidade, enquanto os que estão entre 60 e 65 anos
ficam a critério da legislação local
decidir pela gratuidade. No transporte coletivo interestadual,
devem ser reservadas duas vagas gratuitas para idosos que
ganham até dois salários mínimos e descontos
de 50% nos outros assentos que excederam essa reserva para
idosos nessas condições.
Além disso, o estatuto mudou a data-base do reajuste
dos aposentados e pensionistas com benefícios pagos
pela Previdência Social para o dia do Trabalho, o primeiro
de maio. Em programas habitacionais do governo, 3% das unidades
devem ser voltadas para idosos. O idoso também tem
desconto de 50% em atividades culturais, esportivas e de lazer.
Fischer teve contato há mais de seis meses com o
estatuto e percebeu a falta de respeito ao idoso, quando via
lugares sem rampa, iluminação inadequada, falta
de corrimão, mau atendimento em órgãos
públicos, entre outras negativas para a terceira idade.
"Se você teve o privilégio de ter feito
um curso superior, é obrigação levar
para frente a informação correta para as pessoas
que tiveram pouca escolaridade. Por isso, resolvi fazer essa
cartilha", declara Fischer.
"Para facilitar a leitura do estatuto de forma fácil
e dando uma orientação na interpretação,
a cartilha pretende que a lei seja dinamizada. Ou seja, facilitar
a apropriação dos benefícios e entender
as responsabilidades e limitações da lei', declara
Fischer.
Além de divulgar a lei, a cartilha reforça
o papel da cidadania quando utiliza papel reciclado, atendendo
a demanda da coleta nas grandes cidades e a questão
da responsabilidade social do indivíduo ao meio ambiente.
O autor da cartilha levou duas semanas para realização
do material e lançou em dezembro do ano passado ao
preço de R$5. De acordo com Fischer, ainda falta muito
no estatuto. Muitos idosos têm vergonha de fazer uso
dos benefícios que foram concedidos, comprovando a
falta de informação. "Há a necessidade
urgente das organizações sociais darem maior
apoio, inclusive comprando cartilhas e distribuindo-as aos
seus associados, filiados e protegidos. Deveremos, urgentemente
deixar do discurso e irmos para a prática", esclarece
Fischer.
Além de Fischer, o professor de Direito Ricardo de
Moraes Cabezón, coordenador do curso de Direito na
Universidade Uninove, lançou em agosto do ano passado
o Guia da Melhor Idade - Os Direitos do Idoso. Com uma linguagem
acessível e gratuito, o guia está disponível
na internet e possui 70 páginas, em que esclarece dúvidas,
traz uma relação de locais turísticos
gratuitos e um lista de endereços úteis.
O Centro Universitário da UNINOVE oferece tratamento
odontológico, jurídico e fisioterápico
para as pessoas com mais de 60 anos. O guia foi resultado
de uma parceria da Subprefeitura da Lapa com a UNINOVE, que
também desenvolve projeto de inclusão digital
para homens e mulheres da terceira idade.
O Guia da Melhor Idade traz a realidade do idoso ao levantar
as principais questões do estatuto do idoso com letras
grandes e diagramação favorável à
leitura. O Núcleo de Desenvolvimento Acadêmico
da Criança, Adolescente e do Idoso da OAB/SP levantou
alguns temas do guia e legislação complementar
e a amadureceu junto com a Coordenadoria Acadêmica da
Criança, Adolescente e Idoso, que abrange cerca de
550 alunos sob a coordenação de sete professores
de Direito.
Desde o segundo semestre de 2004, foram distribuídos
cerca de 5000 cópias de guias na sede da OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil), em São Paulo, entidades públicas,
asilos e bibliotecas. "Devido à grande procura
do guia, este ano terá uma nova impressão para
atender a demanda de locais que procuram mais informações,
já que fomos surpreendidos pelo interesse até
de agências de viagens, que querem utilizar o material
para mostrar ao turista a preocupação do brasileiro
com seu idoso", diz o professor.
A distribuição dos guias foi sempre acompanhada
por palestras promovidas pela OAB e UNINOVE para criar uma
cultura de respeito a esta faixa etária, voltada não
apenas para o idoso, mas inclusive para toda a comunidade.
"A parcela da população idosa ficou sempre
de lado, marginalizada. Geralmente, os programas educativos
são voltados para jovens e o estatuto prevê que
as coisas estão engatinhando para a terceira idade.
Esse primeiro ano de estatuto teve um reflexo positivo por
impulsionar alguns órgãos a respeitar a legislação.
Mas ainda encontramos bula de remédio com letras muito
pequenas e vagas de estacionamento reservadas para idosos
ocupadas por pessoas jovens", comenta o professor Ricardo.
Paulo Roberto Barbosa Ramos, vice-presidente do Conselho
Nacional dos Direitos do Idoso e promotor da Promotoria de
Justiça Especializada dos Direitos dos Cidadãos
Portadores de Deficiência e Idosos de São Luís
(MA), aponta a existência de dois problemas sérios
que o estatuto não conseguiu solucionar: amparo e proteção
ao idoso e criação de órgãos do
sistema judiciário. Instituições como
Promotoria do Idoso, Vara do Idoso, Delegacia e até
Defensoria especializadas, seriam essenciais em cada estado
para implantação do estatuto e reivindicação
dos direitos da terceira idade.
"Não adianta falar que o idoso tem direito a
todas àquelas conquistas históricas gravadas
na constituição e são chamadas de leis
fundamentais da vida (propriedade, saúde, educação),
se a instituições não funcionam para
a estimular seus direitos. Com isso, o estatuto fica distante
da realidade. A não implementação das
modalidades de atendimento e das instituições
dentro do sistema jurídico são problemas muito
graves e necessários para proteção do
idoso", alerta o promotor.
Há apenas uma vara voltada para o público
da terceira idade, localizada no Tribunal Regional Federal
da quarta região, que abrange o sul do país
(RS, SC e PA), e cerca de oito estados possuem promotoria
especializada em idosos. Nos demais estados, os centros de
apoio ou promotores responsáveis pelos Direitos Humanos
cuidam dos assuntos relacionados à terceira idade.
Além disso, o promotor aponta para falta de unidades
de atendimento como oficinas de trabalho, um local em que
são encaminhados esses idosos, podendo melhorar sua
renda com essa atividade complementar.
De acordo com o promotor Paulo Roberto, outra questão
muito importante foi a divulgação do estatuto
insuficiente aos idosos. Assim, o Conselho Nacional pretende
distribuir folderes explicativos, cartilha no estilo de gibi
com muita cor e personagens para impulsionar a leitura entre
a população com baixa escolaridade.
Desde outubro de 2004, a Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público de Defesa
dos Idosos e de Pessoas com Deficiência (AMPID) e Secretaria
Especial dos Direitos Humanos promoveram cursos de capacitação
para o enfrentamento da violência contra a pessoa idosa.
Trata-se de um curso de 20 horas para pessoas que convivem
diretamente com essa faixa etária, como promotores,
defensores, delegados, juízes, conselheiros e até
idosos interessados pela temática. "O curso tenta
democratizar a informação em torno dos direitos
do idoso. Pretendemos formar 150 agentes multiplicadores nos
27 estados. Isso é apenas uma iniciativa, mas que deve
ser complementada com associações de bairro,
grupos de idosos e imprensa", afirma o promotor.
O Estatuto na Prática
"O Estatuto foi uma benção em minha vida".
Essa é a opinião da aposentada Maria Conceição
Cardoso, 68 anos, sobre o Estatuto do Idoso. Maria participa
do grupo de terceira idade Lírios do Vale da Igreja
Batista da Vila Mariana, que participou das atividades do
Projeto Geração. Trata-se de um projeto de responsabilidade
social da empresa Movicarga, coordenado pela Full Jazz Comunidade,
que tem como principal objetivo promover módulos de
atividades informativas para estimular o protagonismo na terceira
idade sobre Cidadania e Direito do Idoso, Qualidade de Vida,
Nutrição e Atividade Física, Memória
e Saúde Bucal.
Na palestra Direito do Idoso, Maria Conceição
esclareceu sua dúvida referente ao direito da aposentadoria,
já que muitos falavam a ela que não tinha direito
porque recebia pensão do marido. "Contei meu caso
para a advogada e vi que tinha direito à aposentadoria.
Logo em seguida, peguei minha carteira de trabalho e dei entrada
em novembro do ano passado no INSS. Já recebi em dezembro
R$ 200 o que deu para ajudar nas minhas contas", conta
Maria.
Maria já tinha ouvido falar na televisão,
mas depois do esclarecimento se interessou em conhecer mais
o estatuto. "Muitas coisas ainda não estão
vigorando, mas agradeço por pelo menos termos isso
a nosso favor, assim alguns lugares oferecem atendimento preferencial
a nós".
Já Gertrudes Galvão dos Santos, 81 anos, nunca
leu o estatuto, mas possuía a carteira de transporte
gratuita. "Já ouvi falar do estatuto em algum
lugar, mas não li ainda. Agora fiquei curiosa para
saber dos meus direitos. As principais coisas que sinto na
pele são a falta de escada rolante em alguns lugares
e buracos na calçada. Como saio bastante, passo muito
no viaduto da Rebouças para pegar o trem e paro algumas
vezes para descansar, porque haja fôlego para subir
tudo rápido. Nessa idade, a gente tem muita dificuldade
em se movimentar com agilidade", conta.
Para a advogada Pérola Melissa Vianna Braga, criadora
do site Direito do Idoso e autora do livro Direitos do Idoso
de acordo com o Estatuto do Idoso, o estatuto é reconhecimento
de que a nossa sociedade envelheceu. "O maior benefício
do estatuto é demonstrar que o idoso continua sendo
cidadão, uma parte significativa e atuante da sociedade".
De acordo com a advogada, as principais reclamações
dos idosos são referentes à saúde e transporte.
No entanto, a mais denunciada por terceiros são maus
tratos contra a pessoa de terceira idade, que muitas vezes
vive com seus familiares numa relação de dependência
funcional, ou seja, depende do parente para cozinhar, tomar
banho, caminhar entre outros.
Na pesquisa dos Indicadores Municipais analisados pelo IBGE,
no censo de 2000, o estudo apresenta que 27% da população
idosa contribui com mais de 90% dos rendimentos familiares.
Assim, nota-se uma relação de dependência
econômica do familiar com o idoso, em troca da aposentadoria.
Nas grandes cidades, com mais de 500 mil habitantes, cerca
de 17,7% das pessoas da terceira idade auxilia no rendimento.
"Você tem uma família de desempregados
que o único rendimento é a aposentadoria. O
idoso depende funcionalmente do parente, enquanto o outro
depende financeiramente. Muitas vezes, esse idoso é
maltratado pela própria família e não
acaba denunciando seus agressores por medo. Se o idoso pagasse
com sua aposentadoria um acompanhante, teria um atendimento
de qualidade", conta Pérola.
O site Direito do Idoso traz informações jurídicas,
telefones de serviços para idosos, artigos, entrevistas,
dicas de lazer, cultura e benefícios para terceira
idade em São Paulo. Segundo Pérola, o site tem
aproximadamente nove mil acessos por mês, sendo que
metade é denúncia de maus tratos.
Pérola consultou a assessoria de comunicação
do disque-denúncia e comprovou que no primeiro semestre
de 2004, houve 1.743 ligações denunciando crimes
contra idosos e até novembro do mesmo ano, o número
foi para 2.197.
O estatuto prevê no artigo 2º da lei 10.741 a
manutenção das condições de liberdade
e dignidade. Com isso, a sociedade tem a obrigação
de denunciar qualquer ato de violência, procurando qualquer
Delegacia de Polícia ou promotor de justiça
da cidade correspondente. Além disso, há o disque-denúncia,
Delegacia de Proteção do Idoso, SOS Idoso e
Conselhos Municipais e Estaduais do Idoso.
"Sempre digo que sem o idoso a gente não tem
passado, presente, nem futuro. Não tem história.
O estatuto é a mesma coisa que um cartaz dizendo que
tem velho nesse país. O idoso já não
é mais minoria. Portanto, não é mais
política de inserção de minoria da população",
finaliza Pérola.
Serviço:
Para solicitar a Cartilha Comentada do Estatuto do Idoso,
entre em contato com Gert Fischer.
Tel. (47) 436-0647
gfischer@terra.com.br
Rua Diamantina, 287- Floresta- Joinville- Santa Catarina
Informações sobre o Guia da Melhor Idade no
Núcleo de Prática Jurídica
Rua Itaúna, 408 - Vila Mariana
Tel. (11) 6633-9113
AMPID
www.ampid.org.br
A cartilha pode ser encontrada no seguinte endereço:
http://portal.uninove.br/marketing.downloads/cartilha_idoso.pdf
Pérola Melissa Vianna Braga - advogada
perolabraga@uol.com.br
www.direitodoidoso.com.br
Delegacia de Proteção do Idoso
Metrô República
Tel. (11) 3237-0666/3256-3540
Disque-Denúncia
181
SOS Idoso
Tel. (11) 3874-6904
Núcleo de Atenção ao Idoso
Tel. (11) 9874-6904
SUSANA SARMIENTO
do site setor3
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