O que
têm em comum um laboratório farmacêutico,
uma loja de departamentos, uma fábrica de alto-falantes,
uma construtora e indústrias têxteis, de calçados
ou de peças de transmissão mecânica? Todos
fazem parte da mesma rede de franqueados.
Mas que franquia é essa que reúne empresas
de tão diferentes perfis? Uma franquia de inclusão,
capacitação e educação para o
mercado de trabalho: o Projeto Pescar - Educação
e Profissionalização de Adolescentes em Situação
de Risco Social, que está cadastrado no Banco de Tecnologias
Sociais da Fundação Banco do Brasil. O verbo
pescar no nome do projeto tem dois sentidos: o do antigo provérbio
chinês que coloca o ensinar a pescar como mais importante
do que dar o peixe e o de pescar os jovens para fora de um
universo de exclusão social.
“Nós praticamos pescaria de gente em situação
de risco social”, orgulha-se Rose Linck, responsável
pelo projeto e vice-presidente da Fundação Projeto
Pescar. A iniciativa existe há 28 anos e foi idealizada
por Geraldo Linck, marido de Rose, para sua revendedora de
máquinas e equipamentos rodoviários, instalada
em Porto Alegre (RS). Em 1995, foi criada a Fundação
Projeto Pescar, uma organização não governamental.
As empresas franqueadas abrem espaço, em suas próprias
dependências, para a formação pessoal
e profissional de adolescentes de baixa renda, depois os encaminhando
ao mercado de trabalho. Os jovens do Projeto Pescar não
trabalham nas empresas enquanto estão freqüentando
o curso: realizam apenas atividades práticas de aprendizado.
O trabalho da fundação é disseminar o
conhecimento adquirido nas quase três décadas
de existência do projeto, oferecendo suporte e orientação
técnica aos franqueados. Hoje, são 73 unidades,
nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,
São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande
do Norte, Ceará e no Distrito Federal. Todas juntas,
por ano elas oferecem aproximadamente mil vagas para aprendizes,
e pelo projeto já passaram quase nove mil jovens. Destes,
30% eram meninas.
O sucesso desta franquia social já ultrapassou as
fronteiras do Brasil. Atualmente, há quatro unidades
do Projeto Pescar na Argentina. Para Rose Linck, o que faz
com que a fórmula tenha tanta repercussão é
a possibilidade de a empresa ter atitudes de responsabilidade
social controlando o resultado de suas ações.
“As pessoas querem fazer alguma coisa na área
social, mas querem manter sua filosofia nas ações.
A maioria de nossas escolas fica dentro da empresa. Então,
os franqueados conseguem controlar a aplicação
do seu investimento”, analisa. O custo para a manutenção
de uma unidade do projeto varia de 36 mil a 50 mil reais por
ano.
A idéia é que toda empresa socialmente responsável,
independente de seu porte, área de atuação
e localização geográfica, possa participar
do Projeto Pescar, seja como franqueada, mantenedora, apoiadora
ou empregadora, acolhendo os jovens formados.
O laboratório clínico Sabin, com sede em Brasília
(DF), entrou para a rede de franqueados em 2004. “Há
alguns anos, temos diversas atividades dentro de um projeto
de responsabilidade social do laboratório. Trabalhávamos
com crianças e com idosos. Então, conheci o
Projeto Pescar e achei muito interessante e prático
para estruturar, por ser uma franquia”, conta Sandra
Soares Costa, sócia-proprietária do laboratório.
Preparação global
O Projeto Pescar oferece muito mais do que informações
técnicas para o exercício de uma profissão
nas áreas da indústria, comércio ou prestação
de serviços: ele estimula os jovens a adotarem novos
hábitos e terem atitudes para a boa convivência
e o exercício da cidadania. “Hoje, atendemos
a 11 áreas de qualificação. Mas em 60%
do seu conteúdo o currículo é igual para
todas as empresas, com temas voltados para cidadania”,
explica Rose Linck.
Os jovens atendidos têm entre 15 e 18 anos e recebem
orientação para enfrentar o mercado de trabalho
em todos os aspectos, desde o momento em que vão para
a entrevista de emprego até a necessidade de analisar
suas atitudes no caso de passarem por demissão.
“Tentamos instrumentalizá-los para o mercado
de trabalho como um todo e temos um bom índice de empregabilidade.
Os 15 que se formaram nas lojas Renner em 2004, por exemplo,
estão empregados. Nem todos ficaram na própria
franqueada, foram absorvidos pelo mercado”, ressalta
Rose Linck. Em média, 80% dos jovens que são
formados anualmente conseguem espaço no mercado formal
de trabalho e 8% se tornam pequenos empresários.
Em termos de atividades profissionais, estes jovens aprendem
eletricidade, serviços gerais, mecânica, atendente
de vendas a varejo e, em 2005, haverá também
formação em trabalhos na área rural.
A média de tempo dos cursos é de nove meses.
É um período de aprendizado e convívio
com o ambiente de trabalho e com profissionais de diversas
áreas.
No caso do Sabin, de Brasília, não era possível
oferecer a formação nos trabalhos técnicos
realizados no laboratório, mas 15 jovens foram formados
na área administrativa da empresa, como auxiliares
administrativos. Em uma das unidades do laboratório,
em uma cidade-satélite de Brasília, foram montados
uma sala de aula e um refeitório. Uma psicopedagoga
foi contrata especialmente para acompanhar a nova unidade
do Projeto Pescar e os demais funcionários se envolveram
voluntariamente no projeto.
Há três décadas, quando o Projeto Pescar
foi implementado no Rio Grande do Sul, a reação
dos funcionários não era tão boa. Rose
Linck lembra que alguns achavam que se a empresa estava fazendo
uma ação social, deveria fazer para beneficiar
os filhos de funcionários e não pessoas da comunidade,
sem vínculo direto com a empresa. “Hoje, eles
percebem que podem exercer a sua vocação para
o voluntariado por meio deste contato”, comemora.
Critérios sociais de escolha
Na hora de determinar quem serão os aprendizes, cada
empresa faz a sua seleção, orientada pela Fundação
Projeto Pescar. A idéia não é ficar com
os que apresentam as melhores habilidades para as funções
e sim com os que mais precisam. “Nós sempre pedimos
que eles escolham os que não vão ter outra chance”,
diz Rose.
Sandra Costa, do laboratório Sabin, lembra do momento
da seleção: “Divulgamos, em comunidades
carentes e por veículos de comunicação,
que ofereceríamos oportunidade para 15 jovens em situação
socioeconômica de risco. Apareceram quase 150 adolescentes.
Selecionamos os 15 dentro dos critérios de necessidade.”
Em novembro, estes aprendizes estavam formados e oito já
estão no mercado de trabalho, sendo que quatro foram
contratados pelo próprio laboratório. “Nosso
compromisso é encontrar oportunidades para todos e
estamos trabalhando por isso”, observa Sandra.
Se no Distrito Federal os candidatos a aluno logo começaram
a aparecer, os parceiros também não demoraram
e Sandra agradece: “Tivemos várias parcerias,
como a escola que ofereceu aulas de informática, e
supermercados e indústrias alimentícias, que
todos os dias enviavam frutas e outros suprimentos para o
café-da-manhã dos alunos.”
Os alunos devem freqüentar a escola regular e participam
no projeto no horário contrário. Eles não
recebem remuneração, mas, em geral, as empresas
oferecem alguns benefícios que dão aos funcionários,
como acesso a atendimento médico e odontológico,
cestas básicas e outros.
Para os próximos anos, Rose Linck quer continuar aumentando
o número de franqueados – chegando a cem unidades
em 2005 – e criar um instrumento de acompanhamento dos
jovens no mercado de trabalho. “A idéia é
ter um acompanhamento da vida profissional destes jovens após
a formatura, para ter uma visão melhor do nosso trabalho.
Quando um egresso é dispensado de um emprego, precisamos
ter o retorno do que aconteceu, saber o motivo. E eles também
precisam ter o entendimento de que as coisas têm dois
lados e isso acontece”, planeja Rose Linck.
SANDRA FLOSI
da Fundação Banco do Brasil
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