O Ministério
da Fazenda divulgou ontem o roteiro para uma ampla reforma
no gasto social do Brasil, cujos alvos principais são
o financiamento das universidades federais e as deduções
dos gastos com educação e saúde no Imposto
de Renda da Pessoa Física.
A justificativa é que essas são formas de os
mais ricos se apropriarem de uma grande fatia dos gastos públicos
na área social. "Reduzir privilégios",
eis o lema da reforma. O documento de 47 páginas intitulado
"Gasto Social do Governo Central" defende que a
reforma não é só o único meio
de construir no país uma rede de proteção
social capaz de distribuir renda e combater a pobreza.
Num trecho em que a Fazenda compara a carga de impostos cobrados
no Brasil com a de outros países, o documento torna
claras outras intenções: "A possibilidade
de o governo reduzir a carga tributária ou mesmo de
mantê-la no atual patamar, sem comprometer o ajuste
fiscal e a estabilidade da economia, depende fortemente de
sua capacidade de reformar o gasto social, reduzindo a proteção
exagerada que atualmente provê para um pequeno segmento
da sociedade".
O diagnóstico assinado pelo ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho, pelo secretário de Política Econômica,
Marcos Lisboa, e por mais oito assessores da pasta é
o mesmo feito pelo Banco Mundial desde o início do
governo Fernando Henrique Cardoso.
Em linhas gerais, a conclusão é que gasta-se
muito na área social no Brasil, mas que boa parte do
dinheiro acaba sendo apropriada pelos brasileiros mais ricos.
O maior dos vilões dessa distorção são
os gastos com a aposentadoria dos funcionários públicos,
alvo da reforma encaminhada ao Congresso pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Depois da reforma previdenciária, restam os seguintes
focos de distorção do gasto social detalhados
no documento da Fazenda:
1) Universidades federais: o ministério afirma que
cerca de 46% dos recursos do governo para o ensino superior
beneficiam "apenas indivíduos que se encontram
entre os 10% mais ricos da população".
O texto defende a expansão dos empréstimos a
estudantes de baixa renda que frequentam cursos privados.
No projeto de Orçamento para 2004, o governo já
dá um passo nessa direção;
2) Imposto de Renda da classe média: ainda na área
de educação, o documento ataca os incentivos
fiscais, que representarão R$ 1,1 bilhão no
Orçamento do ano que vem. O incentivo mais caro são
as deduções de gastos com instrução
no Imposto de Renda: ele beneficia somente as famílias
de classe média e alta que mantêm os filhos em
escolas particulares;
3) Saúde privada: mais caras que as deduções
dos gastos com instrução são os abatimentos
das despesas com saúde no Imposto de Renda, outro alvo
da reforma pregada pela Fazenda. O incentivo fiscal deverá
consumir R$ 1,7 bilhão, segundo previsão do
Orçamento, e beneficia aqueles que ganham mais e que
recorrem à rede privada de saúde. "Ressalte-se
que essas renúncias possuem caráter regressivo,
pois beneficiam os extratos sociais de maior poder aquisitivo",
diz o documento.
Os três pontos listados acima constam dos documentos
do Banco Mundial com "contribuições"
para a agenda do governo Lula. A única sugestão
polêmica não incorporada pela Fazenda é
a redução da multa de 40% do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço, cobrada das empresas para os trabalhadores
que são demitidos sem justa causa.
Elogio ao Bolsa-Família
Na análise dos programas de transferência
de renda aos mais pobres, o documento da Fazenda reserva um
auto-elogio à recente unificação promovida
pelo governo Lula por meio da Bolsa-Família. O trecho
critica o modelo adotado nos dois últimos anos de mandato
de FHC. "Em torno de 17% dos domicílios brasileiros
permanecem pobres", registra o texto, considerando pobres
as famílias com renda de até meio salário
mínimo por pessoa, valor superior ao usado para classificar
os pobres pelo Bolsa-Família.
Marta Salomon,
da Folha de S.Paulo.
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