Pesquisas
aqui e fora do Brasil indicam que as crianças estão
engordando mais rapidamente que seus pais. No Brasil, estima-se
que, na população de 6 a 18 anos, existam ao
menos 6,7 milhões de obesos, se mantidas as taxas do
último levantamento de 1997.
Várias estudos revelam que o número de crianças
e adolescentes acima do peso aumentou de 3% para 15% de 1975
a 1997, chegando a 6,5 milhões de crianças obesas,
na época. Os homens adultos gordos passaram de 3% para
7% nesse período, e as mulheres, de 8% para 13%. Segundo
a Organização Pan-Americana da Saúde,
a incidência de obesidade infanto-juvenil no Brasil
cresceu 240% nos últimos 20 anos.
Os dados constam do "Projeto Escola Saudável",
documento que a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
(SBEM) e várias outras instituições encaminharam
aos ministérios da Saúde e da Educação
pedindo socorro.
Ou se faz alguma coisa rapidamente, a começar pela
escola, ou o Brasil vai seguir o caminho dos EUA: estima-se
que lá, no ritmo com que os obesos vêm crescendo,
o país inteiro estará gordo em 30 anos. Terão
que aumentar o tamanho dos bancos e as catracas dos ônibus,
sem falar no número de doenças, que dobrará.
A contra-ofensiva brasileira está começando
pelas escolas e pela merenda escolar. A União, que
repassa a maior parcela da merenda -R$ 0,18 para creches e
pré-escolas e R$ 0,13 para o ensino fundamental, por
aluno/dia-, tem incentivado Estados e prefeituras a contratarem
nutricionistas. Dos 37,8 milhões de beneficiados pela
merenda, a grande maioria ainda recebe alimentação
inadequada.
Por iniciativa própria, muitas escolas particulares
e dezenas de cidades estão se adiantando e melhorando
suas merendas ou cantinas, como Florianópolis, São
Paulo, Piracicaba, Santos, Uberlândia e Recife. Diversos
municípios já criaram um Conselho de Alimentação
Escolar (CAE), que tem a participação da comunidade.
O endocrinologista Gustavo Caldas, presidente do Comitê
de Campanhas da SBEM, fez uma pesquisa com 900 alunos e 40
escolas de Pernambuco (50% públicas e 50% privadas).
"O estudo mostrou que as crianças comiam poucas
frutas e verduras, ingeriam muita gordura", relatou.
"Não tomavam café da manhã e comiam
mais nos períodos livres, especialmente quando viam
TV", afirma Caldas. "A partir daí, levamos
para as escolas um programa de educação alimentar,
informando sobre o que comiam e os benefícios e os
malefícios de cada alimento." O programa transformou-se
no embrião do "Projeto Escola Saudável".
Os especialistas estão preocupados também com
os adultos, que acabam virando modelo. Nas casas onde os pais
dão exemplo, as crianças comem de maneira mais
saudável, constatou José Augusto Taddei, professor
de nutrição e metabolismo da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo).
Taddei estudou escolas da região da Vila Mariana (zona
sul de São Paulo) e constatou que o consumo de refrigerantes
por criança, por ano, passou de 7 litros para 22,4
litros de 1975 a 1996.
Merendeiras sem capacitação oferecem bolachas
com recheio como uma maneira de manter as crianças
felizes. "Em certos países da Europa, a TV é
proibida de fazer propaganda de guloseimas e refrigerantes
durante programas infantis", afirma Taddei.
Nos serviços de obesidade infantil, como o da Unifesp
e o do Hospital das Clínicas, o tratamento é
multidisciplinar, e os pais também são acompanhados.
"A participação da criança nas atividades
é maior quando os pais são envolvidos",
diz a endocrinologista Sandra Vilares, do ambulatório
de obesidade infantil da Faculdade de Medicina da USP.
A cada seis meses, ela seleciona 30 a 40 crianças
que entram no serviço, de uma fila de espera que chega
a 400. São crianças obesas, muitas já
com problemas de saúde como colesterol alto e diabetes.
"Em alguns anos, a média de idade de adultos que
se tornam diabéticos cairá de 40 para 30 anos."
Além de acompanhamento psicólogo, endócrino
e nutricional, as crianças têm exercícios
físicos três vezes por semana.
Para os especialistas, as cantinas acabam agindo como vilões
dentro das escolas, levando a criança a trocar a merenda
por guloseimas e coxinhas engorduradas. Mas alguns defendem
que nem todas as escolas devam oferecer refeições
completas, o que acabaria tornando as crianças obesas.
"Em escolas públicas centrais, onde a criança
já vem alimentada de casa, a merenda deveria ser uma
refeição leve", alerta Durval Ribas Filho,
presidente da Associação Brasileira de Nutrologia.
Divergências à parte, o custo da obesidade deve
duplicar em dez anos. Segundo a SBEM, os serviços de
saúde do Brasil já vêm gastando R$ 1,45
bilhão com doenças relacionadas à obesidade.
Aureliano Biancarelli
da Folha de S.Paulo.
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