Em áreas
pobres do Rio, a violência transformou em rotina a terceirização
de serviços públicos municipais, com a transferência
de ações de saúde, limpeza, esporte e
assistência social para ONGs e associações
de moradores.
Por intermédio de convênios,
as entidades recebem da prefeitura dinheiro para atuar numa
determinada região e acabam desempenhando funções
do Estado, como contratar pessoal. Nas comunidades, a terceirização
e o serviço público convivem lado a lado.
O prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL),
diz que a violência e o tráfico mudaram a forma
de contratação nas favelas. Segundo ele, a terceirização
é a saída para contratar mão-de-obra
local, pois é difícil manter concursados em
áreas controladas por traficantes.
Maia cita a exigência, por parte
de organismos como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)
e o Banco Mundial, de participação do terceiro
setor (ONGs e entidades da sociedade civil) na gestão
de projetos.
Segundo dados obtidos pela Folhaem
órgãos da prefeitura, 9.300 pessoas são
contratadas dessa forma: têm a carteira de trabalho
assinada por associações do terceiro setor,
com dinheiro transferido pela prefeitura. A Prefeitura do
Rio tem cerca de 145 mil funcionários, entre ativos
e inativos.
Em 2003 foram repassados pelo menos
R$ 115 milhões para projetos do tipo -cerca de 1,4%
do orçamento anual do município. Há também
cerca de R$ 16 milhões para projetos contratados a
longo prazo, como o Favela Bairro.
Os programas de terceirização
incluem projetos experimentais e políticas de maior
escala, como o programa de saúde da família.
A violência tem sido fator determinante
para esse tipo de política. Foi assim, por exemplo,
que começou o projeto dos garis comunitários
em favelas do Rio, em 1995. Obrigada, muitas vezes, a interromper
o trabalho por causa dos tiroteios, a Comlurb (Companhia Municipal
de Limpeza Urbana) optou por repassar o dinheiro para as associações
de moradores, que contratam os garis. Hoje há 2.557
garis comunitários na cidade. Para o gari comunitário,
o salário base é o mínimo (R$ 240); para
o da Comlurb, R$ 400.
Na saúde, a prefeitura tem
recorrido a ONGs e associações de moradores
para implantar, em comunidades pobres, os programas de saúde
da família e agentes comunitários, que atendem
hoje 400 mil pessoas em favelas. A folha de pagamento mensal
dos dois programas vale R$ 2 milhões.
No complexo de favelas da Maré
(zona norte), as associações chegam a gerenciar
oito postos. Recebem dinheiro da prefeitura para contratar
médicos, enfermeiros, dentistas. A prefeitura fornece
os medicamentos.
As creches também são
um exemplo de área em que o poder público não
dá conta da demanda. A rede conveniada (creches criadas
pela sociedade civil, às quais a prefeitura repassa
gêneros alimentícios para a merenda e/ou funcionários)
é maior que a rede de creches municipais. Enquanto
a conveniada atende 25 mil crianças, a rede própria
atende 19.193 crianças de zero a três anos.
Vantagens e riscos
Especialistas, políticos e gestores apontam vantagens
e riscos desse tipo de política. Entre as vantagens,
a agilidade do processo de contratação, a geração
de emprego local e a facilidade de acesso a locais perigosos,
já que a mão-de-obra, recrutada na comunidade,
tem trânsito livre.
Os riscos são a transferência de responsabilidades
do poder público para a sociedade civil, o clientelismo
político e, no caso do Rio, a apropriação
das entidades por grupos criminosos, como os traficantes de
drogas.
Em duas áreas da cidade onde foi implementado o projeto
Mel (da Fundação Rio Esportes), a Penha (zona
norte) e a Rocinha (zona sul), a Folha viu faixas do projeto
com nomes de duas vereadoras da base política de Maia,
Rosa Fernandes (PFL) e Patrícia Amorim (PFL), hoje
secretária municipal de Assuntos Estratégicos.
Uma pesquisa da Assembléia Legislativa revelou que,
de uma amostragem de mil líderes comunitários,
cerca de 400 foram cooptados pelo tráfico em dez anos.
Licitação
Na maior parte dos casos, os convênios são feitos
sem licitação. A Prefeitura do Rio afirma que
não há ilegalidade, por entender que a licitação
é considerada dispensável ou inexigível,
de acordo com a lei 8.666: contratos de pequeno valor, notória
especialização ou impossibilidade de competição
(por exemplo, na contratação de associação
de moradores para atuar em uma favela).
Para regulamentar esse tipo de convênio, o decreto
municipal 19.752, assinado por Maia, fixa um processo de seleção
para casos em que, pela lei federal, a licitação
seria dispensável ou inexigível. O decreto exige
que a entidade tenha reputação comprovada.
FERNANDA DA ESCÓSSIA
Da Folha de S. Paulo, sucursal do Rio
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