O governo do Paraná pagou
pela publicação de "reportagens" em
seis dos principais jornais do Estado em 1991, no primeiro
mandato do atual governador, Roberto Requião (PMDB),
de acordo com cópias de documentos que tiveram a autenticidade
conferida pela Agência Folha.
Foram notícias relacionadas ao governo, com viés
positivo, sem que o leitor fosse informado de que se tratavam
de "reportagens" pagas. Tal prática não
é ilegal, mas os jornais são proibidos de agir
assim de acordo com o código de ética da ANJ
(Associação Nacional dos Jornais).
Em 2 de setembro do ano passado, a Folha publicou reportagem
relatando que, em 2002, na gestão de Jaime Lerner (então
no PFL, hoje no PSB), o governo do Paraná gastou R$
6,418 milhões com a compra de "reportagens"
em 76 veículos de comunicação (68 jornais,
6 revistas e 2 colunas).
A reportagem provocou a abertura de dois procedimentos no
Ministério Público do Paraná, para investigação
do assunto.
Indagado na época sobre o assunto, o governador Requião
negou usar "matérias" pagas em seus dois
mandatos no Paraná. "Eu nunca fiz isso",
disse. A reportagem solicitou entrevistas com o governador
sobre a publicidade no seu primeiro mandato, mas sua assessoria
não viabilizou nenhum contato.
Auditoria
As cópias de documentos a que a Agência Folha
teve acesso foram destacadas de uma auditoria realizada pelo
Tribunal de Contas do Estado em 1993, sobre os gastos com
publicidade no ano de estréia de Requião como
governador.
Em meio aos comprovantes de gastos apresentados aos auditores
pela Comunicação Social de Requião, há
textos de aparente cunho jornalístico veiculados nos
jornais "Gazeta do Povo", "Diário Popular",
"Correio de Notícias", "Jornal do Estado",
"O Estado do Paraná" e "Folha de Londrina".
No caso da "Gazeta do Povo", a auditoria aponta
que o governo pagou à empresa do principal colunista
do jornal, Dino Almeida, morto em abril de 2001.
Vários jornais com sede no interior do Estado, além
da "Folha de Londrina", também receberam
recursos dessa forma do primeiro governo de Requião,
segundo notas fiscais e comprovantes de empenho anexados ao
relatório final da auditoria do TCE.
O material fez parte de uma lista de dezenas de irregularidades
na publicidade atribuídas à administração
de Requião usadas em uma ação iniciada
em 1995 na Justiça Eleitoral com o objetivo de cassar
o mandato de senador -Requião ocupou o cargo de 1995
a 2002.
De acordo com a acusação -feita por um adversário
político de Requião na disputa por uma vaga
no Senado em 1994, o ex-deputado Hélio Duque (PSDB)-,
Requião se valeu do cargo de governador para bancar
propaganda em jornais contra o ex-governador de São
Paulo Orestes Quércia (PMDB), numa disputa pelo comando
do PMDB nacional.
O processo acabou em maio do ano passado. O Tribunal Superior
Eleitoral determinou ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná
seu arquivamento "por perda de objeto". Requião
cumpriu o mandato de senador e já não haveria
razão para o caso prosseguir, segundo concluiu o TSE.
O empenho nº 343 da Secretaria de Comunicação
Social de Requião, analisado pelos auditores do TCE,
indica que o jornal "Correio de Notícias"
recebeu, em julho de 1991, Cr$ 8 milhões (a moeda da
época era o cruzeiro), o equivalente hoje a R$ 75 mil,
por seis matérias pagas publicadas no mês anterior.
Uma consulta da Agência Folha aos arquivos da Biblioteca
Pública do Paraná, em Curitiba, constatou que
cinco, dos seis títulos relacionados, foram as manchetes
(principal destaque da capa) das edições da
primeira semana de junho do jornal. O sexto título
teve um destaque menor na primeira página da publicação.
Parte das "reportagens" pagas chegou aos jornais
por intermédio de agências de publicidade, que
receberam a comissão de praxe pela intermediação,
mesmo sem produzir os textos e ilustrações.
Naquele ano, as agências contratadas prestaram serviço
sem passar por licitação. A ausência dessa
formalidade legal foi destacada na auditoria do TCE, mas o
tribunal não estimulou a desaprovação
das contas daquele ano pela Assembléia Legislativa.
Nos casos analisados, há notas fiscais de pagamentos
atribuídos ao final da gestão do antecessor
de Requião, Alvaro Dias (que governou pelo PMDB e hoje
está no PSDB). Requião era o candidato de Dias,
que lhe deu posse em março de 1991.
Incêndio
A Agência Folha não conseguiu apurar quanto o
primeiro governo de Roberto Requião gastou com a publicidade
oficial. A Inspetoria Geral de Controle do TCE informou que
não seria possível fornecer o dado.
O presidente do TCE, Henrique Naigeboren, foi procurado para
entrevistas por duas vezes, mas não atendeu à
Agência Folha. Naigeboren é cunhado de Jaime
Lerner e foi indicado pelo ex-governador para o cargo de conselheiro,
que é vitalício.
A Assembléia Legislativa também não
forneceu o dado. O diretor legislativo Severo Sotto Maior
disse que o incêndio de setembro de 1994, que consumiu
o quarto e o quinto andares do prédio, queimou a biblioteca
e os arquivos da Casa. O secretário da Comunicação
Social do governo, Airton Pissetti, disse que os documentos
estariam no TCE.
MARI TORTATO
da Agência Folha, em Curitiba
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