A disputa entre governo e prefeitura
pelo controle do saneamento na cidade de São Paulo
teve anteontem o seu primeiro round -e o Estado venceu.
O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (TJ), desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição,
suspendeu a lei municipal 13.670, que passa o domínio
do abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto
na capital das mãos da Sabesp (companhia de saneamento
do Estado) para as da Arsae (Autoridade Reguladora dos Serviços
de Água e Esgotamento Sanitário de São
Paulo), cujos dirigentes seriam nomeados pela prefeitura.
Na prática, portanto, a Justiça devolveu à
Sabesp o poder de direcionar investimentos, estabelecer metas
de atendimento, determinar tarifas e prioridades na capital.
Com a sanção da lei em novembro, o Executivo
municipal queria assumir essas prerrogativas por meio da Arsae.
Ao conceder a liminar favorável ao governo do Estado
-que havia entrado com uma Adin (ação direta
de inconstitucionalidade) contra a lei municipal-, Nigro Conceição
considerou que, pelo fato de São Paulo mandar água
para outras cidades e usar água vinda delas, o interesse
da questão do saneamento no município é
regional, e não local. Por isso, afirma, as políticas
para o setor devem ser definidas pelo Estado.
O presidente do TJ entendeu ainda que mudanças no
controle do saneamento poderiam "acarretar prejuízos
inestimáveis e de difícil reparação"
à população.
A prefeitura pode e diz que vai recorrer da decisão,
mas o recurso só deverá ser julgado a partir
de fevereiro, quando o plenário do TJ volta do recesso.
Ontem o município não quis comentar a decisão
por não ter sido oficialmente notificado do seu conteúdo.
Polêmica
No centro da briga jurídica está a polêmica
da titularidade dos serviços de saneamento. A lei 13.670
determina que a prefeitura é a titular e o poder concedente,
mas o governo alega que, pelo fato de a cidade de São
Paulo estar numa região metropolitana, a titularidade
da água cabe ao Estado.
A prefeitura baseia seu argumento no artigo 30 da Constituição,
segundo o qual são de competência municipal os
serviços de interesse local. O governo, por sua vez,
usa o artigo 23 da Constituição -que diz ser
o saneamento responsabilidade conjunta das cidades, Estados
e da União- e a lei estadual nº 94 -que estabelece
a região metropolitana de São Paulo, diz ser
o saneamento uma atividade de interesse metropolitano e o
Estado seu executor.
A disputa também já provocou bate-boca político
entre a prefeita Marta Suplicy (PT) e representantes do governo
Geraldo Alckmin (PSDB). Em jogo está uma atividade
que, em terreno paulista, rendeu, até setembro deste
ano, um lucro líquido de R$ 504,5 milhões à
Sabesp.
Ontem o secretário de Estado da Energia, Recursos
Hídricos e Saneamento, Mauro Arce, disse que "o
governo está aberto a discutir a melhor forma de fazer
saneamento em São Paulo" desde que isso não
envolva a concessão dos serviços por parte da
prefeitura.
No Brasil, o setor funciona até hoje sem nenhuma regulação
porque não se chegou a um acordo sobre a quem, finalmente,
cabe a titularidade dos serviços. O debate na instância
federal se deu exatamente nos mesmos termos do que ocorre
em São Paulo.
Até mesmo os advogados dizem que a lei não
é clara quanto à titularidade, o que favorece
a disputa jurídica -já tramita no STF (Supremo
Tribunal Federal) uma Adin do Estado do Rio de Janeiro contra
a Prefeitura de Niterói pelos mesmos motivos que brigam
a capital e o governo paulistas.
MARIANA VIVEIROS
da Folha de S. Paulo
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