Ter contato
humano em torno de uma novidade gera um sentimento de utilidade
e, portanto, de juventude
Ao investigar a atitude de idosos diante da internet, o Datafolha
captou uma relação entre o gosto de aprender
de idosos e a saúde. Manter a curiosidade, portanto,
é percebido como um remédio para o corpo e a
mente.
Os entrevistados, todos acima de 60 anos, foram indagados
sobre o que sentiam ao fazerem qualquer curso. Algumas das
principais respostas: "aumenta a vontade de viver",
"faz bem para o corpo", "ajuda a controlar
a mente e as emoções". A pesquisa integra
a apresentação de uma experiência desenvolvida
há nove anos em que idosos aprendem a navegar na internet,
ajudados por adolescentes.
Em resumo, evitar o isolamento e ter contato humano em torno
de uma novidade -do tricô à internet, passando
por idiomas ou pintura- gera um sentimento de utilidade e,
portanto, de juventude.
A sensação produzida pelo aprendizado, traduzida
nas respostas dadas ao Datafolha, delimita as fronteiras da
vida útil: morrer é, em essência, perder
a curiosidade e parar de aprender. Se os educadores tivessem
clareza dessa noção de morte, não ensinaríamos
às crianças apenas a visão pragmática
de que se aprende para viver -e não a de que se vive
para aprender.
Educam-se as crianças e os jovens para o futuro.
Esse é o sentido da pergunta, tão repetida,
"o-que-você-vai-ser-quando-crescer?". Os alunos
são preparados para fazer provas, passar de ano, passar
no vestibular, ter uma profissão e, depois, se reciclarem
para manter o emprego.
Encerrada a utilidade do conhecimento, estudar já não
faria mais sentido. Por isso, segundo a pesquisa do Datafolha,
apenas 12% dos idosos participam de alguma atividade educativa.
Condena-se, assim, um indivíduo à morte antecipadamente;
afinal, não seria mais produtivo.
Tais sinais são emitidos por todos os lados -na semana
passada, tivemos um bom exemplo deles.
Um dos mais notáveis avanços brasileiros -um
dos pontos altos de toda a gestão Lula- é o
ranking, divulgado na quinta-feira, de todas as escolas públicas,
baseado em critérios objetivos e com metas de curto,
médio e longo prazos. Parte desse índice é
composta por notas de português e matemática,
base para os demais aprendizados.
Pela primeira vez, temos índices de qualidade tão
detalhados, expondo (o que é ótimo) os casos
de sucesso e de fracasso, demandando mais dos professores,
das famílias, das comunidades, inclusive dos meios
de comunicação. Não podemos, porém,
nos iludir: saber matemática e português é
o básico dos básicos, mesmo na visão
utilitária da educação. É um primeiro
passo imprescindível, mas é muito pouco.
Se tudo der certo e atingirmos as metas, em 2022, teremos
o padrão educacional do Reino Unido. Tente acompanhar
os amargos debates dos ingleses sobre as escolas públicas
(que são tão amargos quanto os dos brasileiros)
para ver o tamanho do desafio.
Usufruir os benefícios sociais, culturais, econômicos
e tecnológicos de uma sociedade implica muito mais
do que ir bem nas provas. Implica o desenvolvimento de atitudes.
Entre as principais habilidades exigidas para os profissionais
estão autonomia de aprendizado, criatividade e empreendedorismo.
Não por outro motivo, as empresas investem cada vez
mais na formação contínua de seus funcionários.
Melhores escolas são sinônimo de distribuição
de renda, crescimento econômico, inovação
tecnológica, cidadãos mais atentos e por aí
vai. Para a imensa maioria, isso seria o ideal -e, pragmaticamente,
é mesmo o ideal, sobretudo vendo a realidade brasileira,
com tanta gente que não entende o que lê.
Mas esse ainda é apenas um pedaço do valor da
educação, para quem considera que a graça
da aventura humana é sentir sempre o gosto da descoberta,
independentemente da idade em que esteja.
Daí que envelhecer não deveria ser o fim da
vida útil, mas a chance de aprender novas coisas -isso
se sabe desde criança.
PS - Um dos fatos mais revoltantes do Ideb -além da
mediocridade geral- é a terrível homenagem a
um dos maiores educadores de nossa história. A pior
escola, localizada no interior do Paraná, chama-se
Monteiro Lobato, autor da frase "um país se faz
com homem e livros" -um caso de quem viveu para aprender.
Sugiro que, até ela melhorar, fique, provisoriamente,
com o nome do prefeito ou do governador. Aliás, poderíamos
fazer esse tipo de batismo em todo o país, dando o
nome dos atuais governantes aos colégios com pior colocação
no ranking -talvez a homenagem às avessas servisse
de estímulo para que tratassem o ensino público
com mais empenho, construindo menos prédios e valorizando
mais os professores.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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