Eles se encontram às quintas-feiras numa galeria do centro de São
Paulo para compartilhar um "chá de lírio".
Lírio é só o nome, pois os chás
servidos são de erva cidreira, mate, camomila, desses
comprados em supermercado.
De comum, esse grupo tem o uso e a dependência de drogas,
sobretudo o crack e substâncias injetáveis. Os
encontros são promovidos pelo Centro É de Lei.
"Aqui não se usa drogas, mas se fala de drogas",
diz Naime Silva, psicóloga e presidente do centro.
Para muitos frequentadores dependentes, este é o único
local na cidade onde são ouvidos e respeitados, diz
a presidente.
Em Recife, numa casa do bairro do Pina, usuários se
reúnem às quartas para participar do "Conversando
de Drogas". A conversa é promovida pela Associação
de Usuários de Álcool e Outras Drogas em Pernambuco.
O objetivo é defender os direitos dos usuários.
"A pessoa tem o direito de dispor livremente de seu corpo
e de sua mente, podendo experimentar estados de alteração
de consciência, inclusive com o uso de drogas",
diz Marcílio Cavalcanti de Lima, 43, profissional na
área de saúde e presidente da associação
Num país onde o consumo de drogas é crime,
as duas associações saem em defesa dos usuários
e contam com o apoio do Ministério da Saúde.
As duas entidades estarão ao lado da Rede Argentina
de Defesa dos Usuários de Drogas na 1ª Conferência
de Redução de Danos da América Latina
e Caribe, que acontece em São Paulo entre os dias 9
e 12 de fevereiro.
Também participam o movimento antiproibicionista internacional.
Usuários de drogas da Inglaterra e da Bélgica
darão seus depoimentos.
"Uma das intenções da conferência
é tentar dissociar a política de drogas da Aids",
afirma Sandra Batista, psicóloga e presidente da conferência.
"A Aids é um componente político das drogas,
porque evidencia outros problemas."
Pressão americana
A mudança é significativa: a redução
de danos sempre foi considerada uma maneira de reduzir o risco
de infecção pelo vírus HIV, causador
da Aids, entre usuários de drogas injetáveis.
Agora, o conceito se ampliou, extrapolando para outras práticas
de consumo e para a política de drogas propriamente
dita.
O tema da conferência indica nessa direção,
ao afirmar que "outra política de drogas é
possível". Segundo Sandra Batista, a idéia
de fazer uma conferência latino-americana (já
houve uma internacional, em São Paulo) é destacar
questões regionais.
Por exemplo, a cocaína é a principal droga
na América Latina e seu consumo vem crescendo, diferentemente
da Europa e Ásia, onde predomina a heroína -droga
mais pesada.
O Brasil e os países da região, segundo Sandra
Batista, vivem sob pressão da política norte-americana
contra as drogas.
"Enquanto a política de Washington é repressiva
e proibicionista, a redução de danos é
pragmática e humanista", diz Batista.
Ao lado desses temas, a conferência deve cobrar do
governo federal a transferência da política de
drogas para o Ministério da Justiça. Desde o
governo passado, o tema está sob controle do Gabinete
de Segurança Institucional, por meio da Senad (Secretaria
Nacional Antidrogas).
O encontro também defenderá o "abolicionismo
penal". "No Paraná, 70% das mulheres presas
têm a ver com o tráfico de drogas", diz
Sandra Batista.
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S. Paulo
|