O dispositivo que transfere à Justiça Federal competência
para julgar crimes contra os direitos humanos tem apoio do
governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas não é
consenso no meio jurídico.
A proposta, que já passou pela Câmara e atualmente
tramita no Senado durante a convocação extraordinária
do Congresso, prevê que, nas hipóteses de "grave
violação" de direitos humanos, o procurador-geral
da República poderá, em qualquer fase do inquérito
ou processo, pedir ao STJ (Superior Tribunal de Justiça)
que o crime seja julgado pela Justiça Federal. Se aprovada,
caberá ao STJ determinar ou não o deslocamento
da competência.
O objetivo, expresso na PEC (Proposta de Emenda à
Constituição) conhecida como reforma do Judiciário,
é "assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil seja parte".
A medida enfrenta resistências, principalmente no Judiciário
e no Ministério Público dos Estados. Opositores
alegam que a federalização seria uma espécie
de "atestado prévio de incompetência"
dos Judiciários estaduais nas causas de direitos humanos.
"Não há dados científicos ou estatísticos
que comprovem que a Justiça Federal é mais eficaz
nas punições", diz o presidente da Anamatra
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça
do Trabalho), Grijalbo Coutinho.
Para o juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo Ivan Sartori, trata-se de proposta "absurda",
que fere a autonomia dos Estados e o direito das pessoas de
saber onde serão julgadas.
Há ainda quem ache que a Justiça estadual está
mais disseminada, o que facilita as denúncias. "A
federalização acarretará forte abalo
no acesso à Justiça", diz o diretor de
Cidadania e Direitos Humanos da Ajuris (associação
de juízes do Rio Grande no Sul), João Ricardo
Costa.
Na mesma linha, o coordenador da Promotoria de Direitos Humanos
e Conflitos Agrários do Ministério Público
de Minas Gerais, Afonso Teixeira, repudia a federalização.
"Parece prestação de contas a organismos
internacionais."
"Risco zero"
O ministro Nilmário Miranda (Secretaria Especial dos
Direitos Humanos) rebate as críticas e afirma que a
proposta traz "risco zero" para a autonomia dos
Estados, pois apenas casos "bem debatidos e acompanhados
pela opinião pública" deverão ser
submetidos à apreciação do STJ.
"O que coloca em xeque a autonomia dos Estados é
o acobertamento de crimes graves praticados por agentes públicos",
disse.
O advogado e vice-prefeito de São Paulo, Hélio
Bicudo (PT), militante na área de direitos humanos,
também defende a proposta, encampada por entidades
como as ONGs Human Rights Watch e Justiça Global e
o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "As
Justiças estaduais são absolutamente corporativas."
Contudo, a proposta atual é mais tímida do
que a PEC sobre o assunto de 1996, que foi modificada no Congresso.
No texto original, o deslocamento de competência poderia
ser suscitado ainda por "órgão federal
de defesa dos direitos humanos", e não só
pelo procurador-geral da República.
"A legislação deveria ser ampliada para
que outros órgãos também pudessem suscitar
a federalização", diz a professora de Direitos
Humanos da PUC-SP Flávia Piovesan.
THIAGO GUIMARÃES
da Agência Folha, em Belo Horizonte
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