Se depender do governo estadual,
a lei que passa o controle do saneamento básico (abastecimento
de água e coleta e tratamento de esgoto) na cidade
de São Paulo para a prefeitura -aprovada anteontem
na Câmara Municipal- não vai sair do papel. Assim
que ela for sancionada, o Estado vai entrar com uma Adin (ação
direta de inconstitucionalidade) para impedir que entre em
vigência.
O governo questiona o princípio
que norteia todo o texto: o de que o município é
o poder concedente dos serviços de saneamento e, portanto,
cabe a ele determinar metas, tarifas e fazer a regulação
do sistema. O Estado defende que, pelo fato de a cidade de
São Paulo estar numa região metropolitana, a
titularidade cabe ao Estado.
O município baseia seu argumento
no artigo 23 da Constituição, segundo o qual
são de competência municipal os serviços
de interesse local, como transporte.
O artigo não fala especificamente em saneamento, mas,
segundo Edson Aparecido da Silva, técnico do setor
na Secretaria de Governo, "não há serviço
de interesse mais local do que água e esgoto".
O governo, por sua vez, usa como contraponto
o artigo 30 da Constituição -cujo inciso IX
diz que o saneamento é responsabilidade conjunta das
cidades, dos Estados e da União- e a lei estadual complementar
nº 94 -que estabelece a região metropolitana de
São Paulo, diz ser o saneamento atividade de interesse
metropolitano e estabelece o Estado como executor desse tipo
de serviço.
A polêmica promete. O saneamento
no Brasil funciona até hoje sem nenhuma regulação,
e o país ainda não conseguiu aprovar uma política
nacional para o setor porque não se chegou a um acordo
sobre a quem cabe, afinal, a titularidade dos serviços.
O debate na instância federal se deu exatamente nos
mesmos termos do que se inicia em São Paulo.
Até os advogados dizem que
a lei não é clara quanto à titularidade,
o que favorece a disputa jurídica -já tramita
no STF (Supremo Tribunal Federal) uma Adin do Estado do Rio
de Janeiro contra a Prefeitura de Niterói.
A ambiguidade só vai acabar
quando a lei da Política Nacional de Saneamento for
finalmente aprovada, avalia Maria Luiza Granziera, especialista
em direito das águas e professora do curso de direito
ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP.
O advogado Antonio Fernando Pinheiro
Pedro, especialista em direito ambiental, concorda e diz que
o único meio de evitar a briga jurídica é
um acordo entre os governos porque, a depender do ponto de
vista, ambos têm razão.
Em jogo nessa disputa está
uma atividade que, em terreno paulista, deu, no primeiro semestre
deste ano, um lucro líquido de R$ 504,5 milhões
à Sabesp.
Além da Adin, a empresa promete também estudar
outras medidas judiciais contra a prefeitura caso a nova lei
acarrete a queda das ações que comercializa
na Bovespa e na Bolsa de Nova York, afirma Felipe Soutello,
assessor da presidência da companhia.
Enquanto isso, Silva ressalta que
a assinatura de um contrato com a empresa lhe dará
segurança institucional para atuar. Nem em contrato
a Sabesp quer ouvir falar. A empresa também insiste
que as intenções do município são
arrecadatórias, apesar de a concessão não
ser onerosa.
MARIANA VIVEIROS
Da Folha de S. Paulo
|