O governo decidiu recompor o orçamento da saúde
para 2004, compensando em parte o que foi computado para o
setor mas na verdade irá para saneamento e programas
de combate à fome. Foi uma decisão pragmática,
pois o Planalto avaliou que está sujeito a três
derrotas: judicial, política e na opinião pública.
A aplicação de recursos
na saúde se transformou na principal polêmica
do Orçamento da União. A Constituição
determina que o orçamento para o setor seja corrigido,
ano a ano, com base na variação nominal do PIB
(Produto Interno Bruto). Para fechar essa conta, o governo
incluiu como gastos do Ministério da Saúde R$
3,5 bilhões referentes a obras de saneamento e programas
de combate à miséria.
O mais provável é que
o governo faça uma recomposição parcial,
mantendo saneamento dentro do orçamento, mas compensando
a parte dos programas de combate à miséria.
Conforme a Folha apurou, esse meio-termo tem apoio no Planalto
e no Ministério da Saúde.
Seria uma "solução
política" articulada pelo chefe da Casa Civil,
José Dirceu, preocupado com a última decisão
do Ministério Público a respeito, com o julgamento
de uma ação no Supremo Tribunal Federal e com
as reações no Congresso e na opinião
pública.
A primeira derrota já está
ratificada, pois o Ministério Público "recomendou"
ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o envio de
uma emenda à proposta orçamentária no
valor de R$ 4,02 bilhões para 2004, "sem computar
nesse montante os recursos provenientes do Fundo de Combate
e Erradicação da Pobreza".
O cálculo do MP considera que,
além da inclusão de saneamento e da fome, o
governo subestimou contabilmente os valores que corresponderiam
ao mínimo que a Constituição destina
ao setor. O Orçamento do governo prevê R$ 32,481
bilhões para o ano que vem. O MP refez os cálculos
para R$ 32,930 bilhões.
A recomendação, em nome
do procurador-geral da República, Cláudio Fontelles,
foi assinada pelos procuradores Aldenor Moreira Sousa e Mário
Lúcio de Avelar, no último dia 16. Trata-se
de resposta a um questionamento feito pelo deputado Roberto
Gouveia (PT-SP) e pelo ex-deputado e ex-secretário
municipal de Saúde de São Paulo Eduardo Jorge.
Há, ainda, uma ação
questionando o orçamento da Saúde no Supremo,
presidido pelo ministro Maurício Corrêa. Como
ele tem criticado Lula publicamente, a expectativa no Planalto
é de derrota.
O argumento das "derrotas"
está sendo usado, principalmente, junto ao ministro
da Fazenda, Antonio Palocci, apontado como o principal responsável
pelo orçamento apresentado para a Saúde no próximo
ano.
A ação foi protocolada
no dia 13 pelo líder do PSDB, Jutahy Júnior
(BA), no Supremo Tribunal Federal. Dois dias depois, deputados
da Frente Parlamentar de Saúde se reuniram com Corrêa
e saíram do tribunal com a impressão de que
ele deve acatar o pedido.
A ação é uma
"arguição de descumprimento de preceito
fundamental", com o argumento de que o governo não
cumpre a emenda 29. Ela pede que a Justiça conceda
uma liminar suspendendo a tramitação da lei
orçamentária.
Para se antecipar a uma eventual decisão
judicial que bloqueie o Orçamento, o governo tem duas
saídas. A primeira é enviar uma proposta orçamentária
substitutiva, antes que ocorra qualquer votação
do projeto enviado ao Congresso. A outra é apresentar
uma emenda modificando os recursos da Saúde.
Para este ano, porém, o ministro
da Saúde, Humberto Costa, garantiu que não haverá
problemas: "Não há risco de não
cumprir o mínimo constitucional", disse ele ontem
à Folha.
Dos cerca de R$ 27,7 bilhões
do Orçamento deste ano, ele estima que cerca de R$
6 bilhões ainda não tenham sido usados, mas
diz que serão até 31 de dezembro.
ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Folha de S. Paulo, sucursal de Brasília
OTÁVIO CABRAL
Do Painel, Folha de S. Paulo, em Brasília
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