Se a cobrança pelo uso da
água tivesse sido aprovada em 2000 - quando o projeto
de lei que a institui foi reapresentado à Assembléia
Legislativa de São Paulo pelo governo-, os rios paulistas,
que sofrem com esgoto, poluição industrial,
assoreamento e acúmulo de lixo, já estariam
recebendo até R$ 440 milhões por ano, dinheiro
para ser investido em melhorias ambientais e em saneamento.
O valor é uma estimativa feita pelo governo do máximo
do que renderia aos 22 comitês de bacia caso todos os
usuários pagassem pela captação de água
e devolução de efluentes aos rios, sem isenções
nem descontos. O que as bacias deixam de receber representa
67% dos R$ 656 milhões que a Sabesp (companhia de saneamento
de SP) planeja investir neste ano em serviços e é
o dobro do que já gastou (R$ 213 milhões).
A proposta estadual, considerada por especialistas melhor
do que a legislação já aplicada aos rios
federais, voltou para a ordem do dia na última terça
(28), mas não foi votada mais uma vez.
Enquanto isso, os problemas se avolumam. Relatório
da Cetesb (agência ambiental do governo) mostra que
a qualidade da água para abastecimento é imprópria
em 27% dos rios paulistas e que 46% deles têm condições
ruins ou péssimas para a vida aquática. Três
das principais regiões metropolitanas do Estado enfrentam
escassez de água: a de São Paulo, onde já
há racionamento, a de Campinas e a do Vale do Paraíba.
A cobrança seria fundamental para viabilizar o tratamento
de esgoto e controlar a poluição dos rios, afirmam
os comitês. Além de gerar recursos para investimentos
hoje proibitivos, serviria também para estimular ainda
mais o uso racional da água e seu reuso.
Há pelo menos duas explicações para
a demora em concluir o trâmite do projeto. Existem quatro
emendas que não podem mais entrar em votação
(porque já há 80 delas, o máximo permitido),
e ninguém quer abrir mão delas. Além
disso, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) quer garantir que
a cobrança não acarrete aumento na conta de
água, o que implica modificar o texto atual.
"O governo não quer aprovar esse projeto",
resume o deputado Donisete Braga (PT), presidente da Comissão
de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa.
Segundo ele, a proposta é uma das poucas que têm,
desde o início, o apoio da bancada oposicionista. "Se
fosse a plenário, seria aprovada sem problemas."
O líder do governo, deputado Vanderlei Macris (PSDB),
nega que a inclinação para a votação
seja tão grande como diz o petista e admite que o governo
cogita fazer novo projeto contemplando os itens que estão
fora do atual.
A proposta de emenda mais polêmica é a que destina
uma fração do que for arrecadado com a cobrança
aos cofres estaduais. O texto atual diz que o dinheiro vai
direto para a conta que cada comitê tem no Fehidro (Fundo
Estadual de Recursos Hídricos), mas, diz Macris, o
governo quer uma parte disso para aplicar em bacias que não
arrecadariam o suficiente. O percentual proposto foi de 50%,
mas está sendo rediscutido.
O movimento de rejeição à alteração,
entretanto, envolve nomes de peso. "Por consenso, repudiamos
a mudança e enviamos um documento ao governador manifestando
isso", afirma Romildo Campello, diretor-adjunto do Departamento
de Meio Ambiente da Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo).
A Faesp (Federação da Agricultura do Estado
de São Paulo), os comitês de bacia e um dos idealizadores
do projeto de lei, Antonio Carlos de Mendes Thame (PSDB-SP),
deputado federal e ex-secretário de Estado dos Recursos
Hídricos, também são contra. Eles temem
que parte do dinheiro da cobrança acabe em qualquer
lugar, menos nos rios. "Se o dinheiro deixa de ir totalmente
para os comitês, a proposta é desvirtuada porque
a cobrança pela água não é um
instrumento arrecadatório, mas de gestão",
diz Thame.
MARIANA VIVEIROS
Da Folha de S. Paulo
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