Ao fazer a doação
simbólica de medicamentos contra a Aids para Moçambique,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse ontem
que o programa brasileiro de combate à doença
foi "ousado e competente" nos últimos 20
anos, mas não fez referência ao governo do seu
antecessor direto, Fernando Henrique Cardoso, que ocupou o
cargo por oito anos.
"Conseguimos ter uma política ousada e competente
nesses últimos 20 anos e conseguimos não vencer
o inimigo, mas domá-lo", disse Lula ao fazer a
doação simbólica do coquetel antiAids
para o primeiro dos cem pacientes que o Brasil "adotou"
em Moçambique. Ele também anunciou a cessão
de tecnologia para a construção de uma fábrica
de genéricos.
O Brasil já integra o combate à Aids em Moçambique
desde 2000, no governo FHC, e o país é o décimo
beneficiado com a doação de medicamentos. O
coquetel para Moçambique custa US$ 550 mil por ano,
US$ 350 mil deles da Fundação Ford, americana.
Como a Aids é um dos maiores flagelos de toda a África
e atinge 13% da população adulta do país,
o presidente Joaquim Chissano participou da solenidade no
Hospital Central de Maputo, onde visitaram a enfermaria de
aidéticos.
Em Moçambique estima-se que haja de 1,6 milhão
a 1,8 milhão de infectados, cerca de 323 mil já
com sintomas da doença. É estimado que vivam
na África 20 milhões dos 30 milhões de
HIV positivos do planeta. "Seria preciso atender 320
mil pessoas e estamos doando remédio só para
cem. Temos de nos esforçar para fazer muito mais",
disse Lula.
Ele classificou a doação como "um jeito
solidário do Brasil para exportar experiências
bem-sucedidas" e falou sobre o programa brasileiro para
fornecer tecnologia para a construção do laboratório
de genéricos contra a Aids e de campanhas de esclarecimento.
Quanto ao laboratório, que terá tecnologia
do Far-Manguinhos, do Ministério da Saúde, Lula
deixou claro que não há recursos brasileiros
disponíveis até agora: "Precisamos procurar
parceiros, usar nossa capacidade de produzir o coquetel".
Mas lembrou que são precisos só US$ 23 milhões:
"Não estamos falando de nenhuma quantia absurda".
Depois brincou: "Espero que alguém do Brasil possa
voltar aqui para inaugurar a fábrica daqui a um ano",
disse, citando o "sentimento de irmandade e compromisso".
Já as campanhas têm vários obstáculos.
Segundo Ricardo Kuchenbecker, coordenador do programa Ntwanano
de doação de remédios, e Luiz Gibier
de Souza, do Centro de Controle e Prevenção
de Doenças dos EUA, 50% dos moçambicanos não
têm energia nem água. Só 5% têm
TV e 55% têm rádio, e 56% das mulheres são
analfabetas. A transmissão predominante do vírus
é por relações heterossexuais.
Humberto Costa disse que o Brasil produz medicamentos contra
a Aids desde 96 (governo FHC), mas criticou: "Nossa lei
de patentes é mais realista do que o rei". Segundo
ele, é por causa dessa lei que o país só
produz oito dos 15 remédios do coquetel. Mas ele usou
exemplo do governo para mostrar o sucesso no Brasil do combate
à Aids: de 97 até agora, a transmissão
vertical (de mãe para filho) caiu de 16,7% para 3,7%.
ELIANE CANTANHÊDE
Enviada a Maputo e Windhoek
Da Folha de S. Paulo
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