A demanda interna voltou a dar
fôlego à economia brasileira em setembro. Pela
primeira vez em 14 meses, o mercado interno não encolheu.
Em setembro, o consumo global de bens das famílias
e das empresas brasileiras cresceu 5,5% na comparação
com igual período do ano passado, segundo cálculos
da consultoria Tendências.
Desde julho do ano passado, o mercado interno vinha encolhendo
em relação a igual período do ano anterior.
O que sustentava a economia brasileira eram principalmente
as exportações.
O pior mês do consumo interno foi junho deste ano,
quando a queda chegou a 14,8%. Em julho, foi de 4,9% e, em
agosto, de 6%, já indicando uma melhora na demanda
interna. "Em setembro houve de fato a inversão
e o mercado interno voltou a reagir", afirma Fernando
Montero, economista da Tendências.
Para definir o tamanho da demanda interna -que também
considera os investimentos e os estoques-, os economistas
excluem o valor das exportações do PIB (Produto
Interno Bruto), a soma de tudo o que é produzido no
país. Assim, consideram somente o que foi efetivamente
consumido e investido no Brasil, pelas famílias e empresas.
O nome técnico desse indicador é "absorção
interna".
A virada no consumo doméstico, na análise de
Montero, se deve principalmente à redução
da taxa básica de juros da economia -a Selic- e ao
efeito psicológico que essa queda causa no consumidor.
O que, na prática, significa mais confiança
para comprar.
O fundo do poço do país, para Montero, foi
puxado pela contração da demanda interna. As
empresas que conseguiram manter o ritmo de atividade e o emprego
estavam de alguma forma ligadas ao mercado externo. As que
dependiam do consumidor brasileiro, como as indústrias
eletroeletrônica e automobilística, tiveram de
reduzir produção e emprego.
"O crescimento da economia está ocorrendo de
forma mais rápida, mais forte e mais disseminada do
que se esperava", afirma Montero. O que ele quer dizer
é que não só as indústrias de
bens de consumo mas também as de bens intermediários
e as de bens de capital reagiram em setembro.
De acordo com o IBGE, em setembro, a produção
da indústria de bens de consumo cresceu 1,5% na comparação
com igual período do ano passado. A de bens intermediários,
4,6% e, a de bens de capital, 8,6%.
"O que pode estar acontecendo é a formação
de estoques no comércio por conta da sazonalidade do
final do ano, mas também uma retomada mais sustentada
da economia", afirma.
Montero não acredita em bolha de consumo, já
que a tendência é a de as taxas de juros continuarem
em queda, e o crédito, mais farto. Também prevê
recuperação gradual dos salários, já
que a economia estará mais aquecida.
Edgard Pereira, economista do Instituto de Economia da Unicamp,
já é mais cauteloso na sua análise. A
recuperação no consumo interno, na sua análise,
serviu apenas para zerar a produção da indústria
na comparação com igual período do ano
passado.
De janeiro a outubro, a produção industrial
cresceu 0,09% na comparação com igual período
do ano passado. De janeiro a agosto, havia caído 0,46%,
segundo o IBGE. Quem puxou o crescimento foram as indústrias
mecânicas, metalúrgicas, extrativa mineral, de
borracha e de papel e papelão. "As exportações
continuam tendo peso importante no ritmo de atividade do país",
diz Pereira.
Os setores que reagiram no mercado interno, afirma ele, são
aqueles que receberam estímulo, como o automobilístico,
com a redução do IPI para carros, e o eletrodoméstico,
com o estímulo à compra financiada. "Mesmo
o setor automobilístico não elevou a produção",
afirma. Em setembro, a produção de veículos
para passageiros caiu 3,2% na comparação com
igual período de 2002.
A recuperação sustentada do consumo interno,
na análise de economistas consultados pela Folha, depende
de mais emprego, mais renda e mais investimentos. Até
agora, mesmo com a retomada do consumo, as empresas não
falam em contratações. Os investimentos também
estão em compasso de espera. "Só com aumento
do emprego e da renda vamos ter a certeza de que a retomada
do consumo no mercado interno é para valer", afirma
Pereira.
A recuperação no consumo doméstico,
na análise de Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo
do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial),
está se dando em cima de crédito -e, portanto,
é limitada. "Vivemos um clássico ciclo
de retomada do consumo por crédito. Isso tem um prazo
de no máximo dois anos", afirma.
FÁTIMA FERNANDES
Da Folha de S. Paulo
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