Menos de uma semana após
os protestos no Congresso por causa da medida que obrigou
pessoas com 90 anos ou mais a comparecerem a postos do INSS
para provar estarem vivas, outra decisão do governo
na área social -desta vez na educação-
provocou ontem indignação na Casa.
Desta vez, as críticas foram contra o veto do presidente
Lula ao projeto de lei que inclui alunos portadores de deficiência
matriculados em instituições privadas sem fins
lucrativos no cálculo do Fundef (Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério). O fundo redistribui recursos de União,
Estados e municípios de acordo com o número
de matrículas na rede pública.
O veto integral foi publicado ontem no "Diário
Oficial" da União e pegou de surpresa não
só parlamentares como o próprio Ministério
da Educação.
O projeto, aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados,
em 2002, e no Senado, em 24 de outubro deste ano, incluiria
no Fundef alunos de entidades como Apaes (Associações
de Pais e Amigos dos Excepcionais).
Atualmente, portadores de deficiência matriculados
em escolas estaduais e municipais já são contabilizados
no cálculo do Fundef.
Segundo o despacho presidencial, o projeto foi vetado "por
contrariar o interesse público". Logo no início
da justificativa, o governo diz que o projeto implica "impacto
orçamentário-financeiro para a União"
e que poderia comprometer "não só as metas
de resultados primários, mas de todo o ajuste fiscal".
De acordo com o Ministério da Fazenda, a implantação
da medida implicaria aumento anual de despesas da União
com o Fundef da ordem de R$ 8,7 milhões. Esse valor
corresponde a 2% do que a União injetará neste
ano no Fundef, previsto em R$ 437 milhões.
Só ao final da justificativa é que o governo
lembra também que o projeto estava sendo vetado porque
contraria a orientação inicial do Fundef, que
prevê a destinação de recursos para a
rede pública.
"Chega! Essa foi a gota d'água. Como senador
de um partido que tinha o compromisso de defender os brasileiros
marginalizados, sinto-me envergonhado. [...] O governo poderia
até ser processado por discriminação",
afirmou o petista Flávio Arns (PR), ex-presidente nacional
das Apaes. Como deputado, Arns foi relator do projeto, de
autoria do deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), que também
reagiu.
"Foi mais uma demonstração do governo
federal de falta de sensibilidade política e compromisso
com a justiça social", disse Barbosa, também
ex-presidente nacional das Apaes.
"Fico pensando como um ministro da Fazenda pode levar
uma bobagem dessas para o presidente assinar", disse
Arns. "Qual é o interesse público do governo
se não é atender ao brasileiro marginalizado?
É atender ao FMI?"
O líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), demonstrou
estranhar o veto. "Temos que corrigir [o veto], porque
o reconhecimento da educação de pessoas portadoras
de deficiências é muito importante do ponto de
vista da cidadania", disse.
Convocação
A notícia do veto de Lula provocou protestos na reunião
de ontem da Comissão de Educação do Senado,
que, em decisão inédita, aprovou a convocação
do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) para prestar esclarecimentos.
O Ministério da Educação informou que
existem no país 175.413 alunos especiais de escolas
especializadas, 91.344 na rede pública. Para atender
aos 84.069 alunos fora desse grupo, o governo calcula que
a despesa do Fundef aumentaria em R$ 41 milhões por
ano, dos quais R$ 8,7 milhões seriam complementados
pela União.
A iniciativa de convocar Palocci foi do senador Hélio
Costa (PMDB-MG), vice-líder do governo. No plenário,
as senadoras Serys Slhessarenko (PT-MT) e Heloísa Helena
(PT-AL) defenderam que o Congresso se reúna e derrube
o veto presidencial.
RAQUEL ULHÔA
Da Folha de S. Paulo, sucursal de Brasília
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