Depois da repercussão negativa,
o governo federal agiu ontem rapidamente para tentar estancar
a crise com o Congresso. Decidiu editar, até a próxima
semana, uma medida provisória assegurando o repasse
de recursos federais em 2004 para atender a alunos portadores
de deficiência matriculados em entidades sem fins lucrativos
como Apaes e Sociedades Pestalozzi.
O anúncio foi feito à tarde pelo líder
do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), um dia depois
de ter sido publicado no "Diário Oficial"
da União o veto do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva ao projeto de lei que previa a inclusão desses
estudantes no cálculo do Fundef (Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério).
A medida provisória tratará também da
inclusão de pessoas portadoras de deficiência
no mercado de trabalho.
A decisão foi acertada em reunião na liderança
do governo no Senado, da qual participaram, além de
Mercadante, o ministro da Educação, Cristovam
Buarque, e os senadores Osmar Dias (PDT-PR), presidente da
Comissão de Assuntos Sociais, Hélio Costa (PMDB-MG)
e Flávio Arns (PT-PR), presidente da Subcomissão
Especial para Portadores de Necessidades Especiais.
Com esse recuo, após a pressão dos senadores
e da repercussão negativa, o governo vai decidir até
a próxima semana de onde virão os R$ 8,7 milhões
para atender aos 209 mil alunos com necessidades especiais
matriculados em entidades sem fins lucrativos.
Esse recurso será usado em 2004. Para os anos seguintes,
o Ministério da Educação diz que deve
solucionar o problema com a criação do Fundeb
-um fundo que vai substituir o Fundef e incluir alunos dos
ensinos infantil (creche) e médio (antigo segundo grau).
O governo estuda incluir no novo fundo todos os alunos especiais,
inclusive os que estão em entidades sem fins lucrativos.
Os portadores de deficiência matriculados em escolas
públicas -atualmente cerca de 239 mil- já são
contabilizados no Fundef.
O veto de Lula provocou protestos de senadores, inclusive
do PT, porque o projeto havia sido aprovado por unanimidade
na Casa no final do mês passado.
A Comissão de Educação no Senado, em
decisão inédita, chegou a aprovar a convocação
do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) para prestar esclarecimentos.
A primeira justificativa para o veto foi o fato de o projeto
"contrariar interesse público" e gerar "impacto
orçamentário-financeiro para a União",
o que significaria comprometer o ajuste fiscal.
A implantação da medida, segundo o Ministério
da Fazenda, implicaria um aumento anual de despesas com o
Fundef de R$ 8,7 milhões -2% do montante que o governo
gasta com o fundo para complementar a verba de Estados e municípios
que não atingem o valor mínimo por aluno ao
ano.
Implicação legal
Só no final da justificativa do veto do presidente
Lula no "Diário Oficial" é que o governo
lembrava que o projeto também contraria a orientação
inicial do Fundef, que prevê a destinação
de recursos para a rede pública e não para entidades
privadas, mesmo que sejam sem fins lucrativos.
Para contornar o problema, a medida provisória a ser
editada deixará claro que o dinheiro federal será
repassado a Estados e municípios. Caberá a eles
fazerem o acordo com entidades particulares para atender aos
portadores de deficiência. O dinheiro pode ou não
vir do próprio Fundef.
Mercadante reconhece que havia um problema jurídico
no projeto -que previa o repasse direto às entidades-,
mas não houve correção porque, caso a
proposta fosse mudada, voltaria para a Câmara, onde
foi aprovada em 2002.
"O texto da lei não dizia com clareza que esses
recursos seriam repassados aos entes públicos -Estados
e municípios-, portanto não haveria repasse
em dinheiro para entidades e não haverá",
disse Mercadante.
Para o senador Hélio Costa, autor do requerimento de
convocação do ministro da Fazenda, o governo
mostrou "sensibilidade" ao voltar atrás na
decisão. "Vou solicitar em ofício ao presidente
da Comissão de Educação que retire a
convocação [de Palocci]", disse.
O ministro Cristovam disse que, por meio da medida provisória,
o governo vai cumprir o que está na lei vetada. O Ministério
da Educação havia dado parecer favorável
à sanção do projeto.
"Depois que o presidente sanciona ou veta uma lei, não
há o que comentar. Não há mais parecer
do MEC", afirmou.
LUCIANA CONSTANTINO
Da Folha de S. Paulo
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